Portugal conta com quase 900 anos de história, num percurso que enaltece muito mais os feitos dos homens do que os feitos das mulheres, devido aos costumes das épocas que nos precederam. Mas a verdade é que muitas foram as mulheres portuguesas que demonstraram as mais elevadas qualidades e mereceram assim um lugar nas páginas da história.
Algumas destacaram-se na política ou nos negócios, atividades normalmente restritas aos homens. É o caso de Antónia Adelaide Ferreira, conhecida como a Ferreirinha, que foi uma excelente mulher de negócios e influenciou o Douro e o comércio de Vinho do Porto. E ainda houve rainhas que demonstraram saber governar tão bem ou melhor que os homens.
A imagem da mulher portuguesa foi mudando ao longo dos tempos e, felizmente, foram feitas conquistas que se julgavam quase impossíveis no passado. Hoje, as mulheres possuem muitos mais direitos, mas talvez ainda não tenham todas as oportunidades que merecem. Conheça 10 mulheres que marcaram a História de Portugal.
1. D. Teresa (1078 – 1130)
Não se sabe ao certo a data de nascimento de D. Teresa, havendo especialistas que defendem o ano de 1078 como correto e outros a defender o seu nascimento no ano de 1080. O que se sabe, com toda a certeza, é que D. Teresa foi mãe de D. Afonso Henriques e que desempenhou um papel muito importante na política do seu tempo, tanto na prosperidade do Condado Portucalense (após a morte do conde D. Henrique), como no contexto político de Leão e Castela.
Infelizmente, a filha de Afonso VI, rei de Leão e Castela e Imperador da Hispânia, ficou associada a uma lenda maldosa que tentava reduzir a sua importância histórica, numa diminuição dos seus feitos injusta, simplesmente por ter estado do lado “errado”.
2. Rainha Santa Isabel (1269-1336)
Tal como no caso anterior, não se sabe ao certo se a Rainha Santa Isabel nasceu em 1269 ou se em 1271. A esposa de D. Dinis, ficou para a história pela sua caridade e por estar associada a uma lenda muito conhecida do nosso país, o Milagre das Rosas. Foi, aliás, canonizada pelo Papa Urbano VIII em 1625. Em vida, D. Isabel de Aragão construiu um importante legado político e social, alicerçado nas ideias de paz e de caridade.
Foi uma personagem muito importante para a assinatura do Tratado de Alcanizes, em 1297, pela sua influência conciliadora; arbitrou o conflito entre Castela e Aragão, em 1304, juntamente com o seu marido D. Dinis e desempenhou um papel de intermediária na guerra civil que opôs D. Dinis ao filho de ambos, D. Afonso IV, mantendo a paz em Portugal graças à sua influência.
3. Inês de Castro (1325-1355)
A história de amor entre D. Inês de Castro e D. Pedro I faz parte do nosso imaginário histórico e popular, tendo sido representada na arte ao longo dos séculos. D. Inês era filha de D. Pedro Fernandes de Castro e de uma dama portuguesa, D. Aldonça Lourenço de Valadares. O seu pai era um dos mais poderosos fidalgos de Castela.
Inês de Castro vem para Portugal no séquito de D. Constança Manuel, esposa do herdeiro do trono de Portugal, o Infante Pedro. A história de amor entre ambos começa pouco depois, com Inês a ser desterrada a mando do Rei anos depois. Com a morte de D. Constança. Inês volta à corte e começa a fazer vida conjugal com D. Pedro, para escândalo geral.
O casal mudou-se para Coimbra e teve quatro filhos, Afonso, João, Dinis e Beatriz. O nascimento destes veio agudizar a situação, porque se dizia que os Castros conspiravam para roubar o trono ao legítimo herdeiro D. Fernando. Inês acabou por ser assassinada, a mando do Rei de Portugal, D. Afonso IV, deixando para trás um D. Pedro devastado, que inicia uma guerra civil. A guerra acabou por não ser longa, mas D. Pedro não desiste da sua vingança, e após subir ao trono, concretiza-a.
4. Deuladeu Martins (século XIV)
Esta personagem lendária, que fez das fraquezas forças, e que desempenhou um importante papel, ao animar a resistência contra um inimigo poderoso, ficou imortalizada no brasão de Monção. Deuladeu foi mulher do capitão-mor da vila de Monção. Na ausência do marido, assumiu o comando dos defensores durante as guerras que colocavam D. Fernando contra Henrique II de Castela.
Quando o exército castelhano, vindo da Galiza, cercou Monção, Deuladeu demonstrou a sua astúcia, resiliência e bravura. Embora a fome apertasse do seu lado, ela mandou que pães, cozidos com a última farinha que restava, fossem atirados do alto das muralhas, para o inimigo. Esta jogada brilhante enganou os castelhanos, já que estes acreditaram que Monção vivia com fartura, e que assim o cerco não seria eficaz. As tropas retiraram-se, e, graças a Deuladeu, Monção viu-se livre das forças castelhanas.
5. D. Filipa de Lencastre (1360-1415)
D. Filipa era filha de João de Gante e de Branca de Lencastre, nascendo numa família muito rica e poderosa. O seu pai via em Portugal um importante aliado para os seus interesses castelhanos, e o casamento de Filipa com D. João I, em fevereiro de 1387, selou a aliança luso-britânica. A Rainha educou os seus filhos com esmero e dedicação, tornando-os em figuras que funcionaram como modelos a serem seguidos pela sociedade.
Teve no total 8 filhos: Branca (que faleceu antes de completar um ano de idade); Afonso (que morreu jovem); Duarte I(que sucedeu o pai no trono); Pedro (um dos príncipes mais esclarecidos do seu tempo e que foi regente durante a menoridade do sobrinho); Henrique (que ficou para a história como o Navegador); Isabel (que casou com o Duque de Borgonha, e que entreteve uma corte refinada e erudita nas suas terras); João (foi condestável de Portugal); e Fernando, que ficou para a história como o Infante Santo.
A Rainha faleceu a 19 de julho de 1415, vítima de peste. Foi sepultado em Odivelas, onde havia falecido, mas no ano seguinte os seus restos mortais seguiram para o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, por ordem do seu marido. O mosteiro abriga outros túmulos da dinastia de Avis, tais como os dos seus filhos, com exceção de D. Duarte.
6. D. Leonor de Avis (1458-1525)
D. Leonor de Avis foi a terceira e última rainha consorte de Portugal nascida no nosso país. Foi também o primeiro ocupante do trono português com sangue Bragança, já que a sua avó materna era filha do 1º Duque de Bragança. Leonor era filha do Infante D. Fernando, Duque de Viseu e Condestável do Reino (que era filho de D. Duarte I de Portugal e de D. Leonor de Aragão), e da sua mulher, a infanta D. Beatriz, também ela uma princesa de Avis.
Casou-se com o futuro Rei João II a 18 de janeiro de 1471. Ficou viúva aos 37 anos, tendo ficado o seu irmão, D. Manuel I, como o novo rei, uma vez que o único filho do casal real faleceu num acidente pouco depois do seu casamento. D. Leonor foi uma das pessoas mais ricas do país, mas usou a sua fortuna para fundar obras de assistência aos pobres e aos doentes.
Ficou para a história por ter fundado a maior rede de assistência social do país, as Misericórdias, há mais de 5 séculos, mas fundou também vários hospitais, albergarias, conventos e igrejas um pouco por todo o país. A Rainha faleceu no Paço de Xabregas, nos arredores de Lisboa, junto ao convento do mesmo nome. Foi ali que quis ficar sepultada, no magnífico convento da Madre de Deus, em campa rasa de fria e nua pedra, num lugar de passagem, para que todos a pisassem.
7. D. Filipa de Vilhena (?-1651)
D. Filipa serve ainda hoje como exemplo de uma mãe capaz de fazer um sacrifício maior pela liberdade da sua pátria. Quando foi informada da conspiração marcada para 1 de dezembro de 1640, que pretendia devolver a liberdade ao nosso país depois de 60 anos de domínio espanhol, incitou os seus filhos a participarem na revolta.
Na noite anterior ao conflito, D. Filipa entregou armas a D. Jerónimo de Ataíde e a D. Francisco Coutinho, seus filhos, tornando-os assim cavaleiros, e exortando-os a lutarem e, se necessário, a morrerem pela restauração da independência de Portugal. O seu gesto ficou para a história e ainda hoje é lembrado como um exemplo de amor à pátria acima de todas as coisas.
8. Marquesa de Alorna (1750-1839)
D. Leonor de Almeida Portugal, Lorena e Lencastre, mais conhecida por Marquesa de Alorna, ficou para a história por ser uma figura de rara erudição e por ser autora de uma obra epistolar ainda por descobrir. Foi também responsável por divulgar no nosso país novas ideias vindas da Europa.
Era neta da Marquesa de Távora, e por isso foi encerrada ainda menina no convento de Chelas, pelo seu pai ter sido preso e acusado de participar no atentado ao rei D. José I. Foi nesse convento que passou a sua juventude, saindo de lá apenas após a morte do Marquês de Pombal.
Ao longo da sua vida, conspirou pela liberdade, tendo sido exilada em Londres, quase na miséria, conseguindo regressar mais tarde ao nosso país. Testemunhou alguns dos acontecimentos mais trágicos da nossa história e mesmo assim, não se vergou.
Não cedeu ao despotismo do Marquês de Pombal, nem à tirania de Pina Manique, não se vergou à autoridade do pai, à vontade do marido e aos caprichos dos amantes. Assim, para além de uma destacada figura da literatura e da luta pela liberdade, representa também um grande passo em frente na história das mulheres no nosso país.
9. D. Carlota Joaquina (1775-1830)
A filha primogénita do rei Carlos IV de Espanha e da princesa Maria Luísa de Parma casou-se em 8 de maio de 1785, aos 10 anos, com o Infante de Portugal, D. João, segundo filho da Rainha D. Maria I de Portugal. Após a morte do filho mais velho e herdeiro do trono, em 1788, Carlota e o marido tornam-se os legítimos herdeiros e assumem o título de Príncipe e Princesa do Brasil.
Juntamente com a restante família real e corte, partiu para o Brasil no contexto das Invasões Napoleónicas. Viveu alguns anos afastada da política, sempre separada do marido, devido às várias controvérsias em que esteve envolvida. A Revolução do Porto, em 1820, trouxe novamente para a Europa a família real e voltou a pôr D. Carlota em evidência, reunindo os reais esposos durante algum tempo.
Dona Carlota tornou-se uma das mulheres mais detestadas da história de Portugal, já que ousou desempenhar um papel ativo na política, num mundo dominado pelos homens. Esteve sempre do lado dos vencidos, e, por isso, não teve o devido reconhecimento. Para além disso, associaram à rainha uma imagem negativa, de muito feia e ignorante, além de adúltera e fanática. Pretendeu por diversas vezes conquistar o poder, sem sucesso.
Perdeu em 1805, na “conspiração dos Fidalgos”, contra o marido; perdeu novamente, entre 1808 e 1814, numa tentativa de se tornar rainha das colónias espanholas do Rio de Prata, que queria tomar para si sob o pretexto de o pai e o irmão se encontrarem presas por Napoleão; e perdeu quando apostou no filho mais novo, D. Miguel, e na causa absolutista contra os liberais. D. Carlota Joaquina jaz ao lado do seu desavindo marido, no mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, naquele que é conhecido como o Panteão Real da Dinastia de Bragança.
10. Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911)
Nasceu a 16 de abril de 1878, em São Vicente, concelho da Guarda. Era filha de Viriato António Ângelo, jornalista e proprietário da tipografia que imprimia o periódico Distrito da Guarda, e da sua mulher Emília Clementina de Castro Barreto. Ingressou na escola Politécnica e na escola médico cirúrgica de Lisboa, concluindo o curso de medicina em 1902.
Beatriz Ângelo foi a única mulher da sua turma, mas foi bem recebida pelos seus colegas, mantendo uma relação de amizade com os futuros cirurgiões Fernando Matos Chaves, Jorge Marçal da Silva e Senna Pereira até ao fim da sua vida. Pela mesma ocasião, conheceu pela primeira vez o seu primo e colega Januário Barreto, com quem viria a casar.
Carolina foi a primeira mulher a praticar uma cirurgia em Portugal. A sua primeira cirurgia foi feita sob a orientação de Miguel Bombarda, tendo o acontecimento sido realizado no hospital de São José, em Lisboa. Para além de ficar para a história como sendo uma das primeiras mulheres a concluir o curso de medicina em Portugal, ficou também muito conhecido por pertencer ao movimento sufragista português.
Começou a sua militância em organizações defensoras dos direitos das mulheres em 1906, no Comité português da La Paix et le Désarmement par les Femmes, uma associação que tinha como objetivo a resolução de conflitos bélicos pelo diálogo. Em 1907, entrou para o Grupo Português de Estudos Feministas e para a Maçonaria. Em 1909, juntamente com outras mulheres, fundou a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, que defendia os ideais republicanos, o sufrágio feminino, o direito ao divórcio, a instrução das crianças e os direitos e deveres igualitários para homens e mulheres.
Carolina foi a primeira mulher a exercer o direito de voto em Portugal. Em maio de 1911, requereu a inscrição como eleitora para a Assembleia Constituinte, uma vez que era chefe de família (era viúva e mãe). O seu requerimento foi recusado inicialmente, mas ganhou a causa depois de recorrer em tribunal, conseguindo assim votar nas eleições.
Infelizmente, para evitar que tal exemplo se repetisse, a lei do Código Eleitoral português foi alterada no ano seguinte, especificando que apenas os chefes de família do sexo masculino podiam exercer o direito ao voto. Carolina acabou por falecer com apenas 33 anos, poucos meses depois de ter votado.