A 25 de abril de 1974, Portugal viveu a Revolução dos Cravos, que impressionou o mundo e que iria mesmo influenciar revoluções noutros países, como em Espanha, no Brasil e na Venezuela. A Revolução dos Cravos pôs fim a décadas de ditadura e deu ao nosso país motivos para sonhar com outro futuro.
É certo que não se conseguiram concretizar todos os sonhos, mas também é verdade que, se hoje vivemos em liberdade, é graças à coragem e determinação de um punhado de valentes soldados e capitães. Assim, deixamos-lhe 15 curiosidades sobre o 25 de abril de 1974.
1. Quantos anos durou o Estado Novo?
O Estado Novo foi instaurado em 1933 por António de Oliveira Salazar. Até essa altura, o país vivia numa ditadura militar desde 1926, algo a que Salazar pôs fim quando foi eleito Presidente do Conselho, um ano antes. As políticas praticadas pelo Estado Novo eram semelhantes às que existiam na Alemanha, Itália e mesmo Espanha, embora contassem com algumas diferenças (sendo que a mais significativa era a sua associação à igreja, que caminhava lado a lado com o Governo).
Mesmo após a a subida de Marcello Caetano a Presidente do Conselho, em 1968, (graças à doença de Salazar), o Estado Novo prosseguiu, embora com menos força. Assim, o regime só caiu em 1974, 41 anos depois de ser instaurado. Fazendo as contas, Portugal viveu 48 anos de ditadura.
2. A revolução começou com um pneu furado
Esta foi uma lembrança relatada à Agência Efe por Vasco Lourenço, hoje presidente da Associação 25 de Abril, que foi criada para manter vivo o espírito do movimento que acabou com o regime e criou a base para o retorno da democracia ao nosso país.
“Quando retornávamos de uma de nossas primeiras reuniões, tivemos um pneu furado e o trocamos. Eram duas da madrugada, mais ou menos, quando disse a Otelo que não íamos solucionar nada com requerimentos e papéis, que devíamos fazer um golpe de Estado e convocar eleições. Ele olhou-me e disse: ‘Mas tu também pensas assim? Esse é meu sonho!’”, contou.
3. Como surgiu a ideia de um golpe militar?
Em 1973, o nosso país encontrava-se no meio de uma guerra colonial que parecia não ter um fim, até porque, apesar das manifestações, o governo não tinha intenções de mandar regressar as tropas. Os militares encontravam-se descontentes, porque, para além das condições em que a população vivia, não queriam continuar a ir para África combater numa guerra em que não acreditavam.
É neste contexto que se cria o Movimento das Forças Armadas, conjunto de militares que se reuniam clandestinamente, de forma a encontrar uma maneira de acabar com a ditadura. Não tinham como primeira opção um golpe militar, mas, dois anos após o início das operações, decidiram avançar com um.
4. Foi o 25 de Abril a primeira data pensada para o golpe?
Esta não foi a primeira data pensada para um golpe. Na verdade, tinha surgido uma tentativa a 16 de março de 1974, dia em que uma coluna militar saiu do regimento das Caldas da Rainha em direção a Lisboa, com a intenção de ser acompanhado por regimentos de Lamego, Mafra e Vendas Novas.
Uma rebelião em Lamego levou a que os restantes não quisessem arriscar, e a missão foi abortada quando os militares já se encontravam em Santarém. Apesar de terem conseguido regressar às Caldas da Rainha, os militares envolvidos acabaram por ser detidos.
5. Qual foi o sinal para a saída das tropas no dia 25?
Foi a música quem deu a conhecer aos regimentos que o golpe estava pronto a arrancar. Às 22h55 do dia 24, a partir da Emissores Associados de Lisboa, o animador da estação de rádio dizia “Faltam cinco minutos para as 23 horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival de 74, E Depois do Adeus”. Anos mais tarde, o cantor afirmou que a sua música foi escolhida para não levantar suspeitas. Este foi o sinal dado às tropas de que tudo estava pronto para arrancar.
O segundo sinal devia ser transmitido na Rádio Renascença, entre a meia-noite e a uma da manhã, caso tudo continuasse operacional. Assim, à 00h25, lia-se a primeira estrofe da música Grândola, Vila Morena, de Zeca Afonso, sendo que a música foi transmitida logo a seguir. Estava assim dado o sinal para o avanço das tropas para Lisboa.
6. Quem liderou a marcha do MFA para Lisboa?
Como primeira estratégia, o movimento pretendia avançar sobre Lisboa e cercar os principais pontos do governo. Ao mesmo tempo, outros movimentos avançavam em várias cidades do país, formando postos de comando um pouco por todo o lado. Na nossa capital, o Regimento de Engenharia 1, na Pontinha, encontrava-se preparado desde a noite anterior para iniciar as hostilidades. O comando do Regimento estava nas mãos de Otelo Saraiva de Carvalho, contando com a presença de cinco outros oficiais.
Um dos principais movimentos vinha da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, que era comandada por Salgueiro Maia, após todos os oficiais concordarem com a marcha. Tinham como missão ocupar o Terreiro do Paço, mas parte da coluna foi desviada para o Largo do Carmo, onde se encontravam refugiados Marcello Caetano e outros dois ministros.
7. Porque é o cravo o símbolo do 25 de Abril?
Existem várias teorias sobre o porquê desta flor ser o símbolo da revolução, e não se sabe se todas elas serão verdadeiras ou se são apenas histórias que têm sido contadas ao longo dos anos. Mesmo assim, existe um elemento consistente: os cravos eram abundantes por estarem na época e serem das flores mais baratas da altura.
A história mais conhecida é de Celeste Caeiro, empregada de um restaurante próximo do Marquês de Pombal, que levava para casa um molho de cravos vermelhos. Os militares pediam aos populares comida ou cigarros, e Celeste acabou por oferecer os cravos, por não ter mais nada.
Os soldados colocaram os cravos no cano da espingarda, e surgiu assim um grande símbolo da revolução. Outra teoria diz-nos que foram as floristas do Rossio que iniciaram a moda, até porque, sendo uma flor abundante, começaram a distribuí-la como forma de celebração.
8. Existiu a possibilidade de um bombardeamento?
A Revolução dos Cravos é conhecida por ter sido neutra e uma ação militar pacífica. No entanto, pouca gente sabe que esteve perto de não ser assim. Quando o Terreiro do Paço se encontrava repleto de civis e militares, a fragata Almirante Gago Coutinho foi ordenada pelo Estado Maior da Armada para ficar junto ao local.
Durante a manhã do dia 25, ordenou-se ao Comandante que abrisse fogo sobre o Terreiro do Paço, ordem que não foi cumprida por haver muita gente no local, assim como diversos barcos de transporte nas imediações.
Após esta primeira ordem, chegou uma outra, que dizia para lançarem tiros de salva para o ar. Uma vez que a fragata apenas tinha munições do exército, nem o Comandante, nem o Imediato quiseram cumprir a ordem, para não criar caos na zona.
Muitos dos presentes foram acusados de insubordinação, por terem recusado cumprir uma ordem superior, mas o processo acabou por ser arquivado. Os factos relacionados com este incidente também só foram conhecidos vários anos depois.
9. Foi o 25 de Abril uma revolução sem derramamento de sangue?
Embora o golpe tenha sido levado a cabo por militares, a Revolução dos Cravos ficou conhecida por ter sido pacífica. Apesar disso, não é verdade que não tenham existido vítimas mortais durante esta revolução.
No final do dia 25, quando populares exigiam o fim da PIDE junto à sua sede, em Lisboa, os seus dirigentes dispararam contra a população. Deste ato, resultaram 4 mortos e vários feridos, sendo estas as únicas vítimas mortais da revolução.
10. Como chegou a notícia da revolução aos meios rurais?
Um dos principais objetivos do Movimento das Forças Armadas foi ocupar as sedes de diversos meios de comunicação, que, ao longo do dia, fizeram diversos comunicados, para dar a conhecer os objetivos e as movimentações do MFA.
Apesar disso, nos meios rurais, a informação não se espalhava com tanta facilidade, portanto, após os eventos nos centros urbanos, o MFA levou representantes a diversos pontos do nosso país, de modo a dar a conhecer as suas ideias e as mudanças que iam existir em Portugal.
11. Sabia que Marcello Caetano saiu de Lisboa num carro português?
Tinha o nome de BULA e era uma chaimite de fabrico português. Em finais do dia 25, entrou no quartel do Carmo, de modo a retirar Caetano em segurança, após a sua rendição. Depois, Marcello Caetano e os seus ministros foram levados para o quartel da Pontinha.
As Chaimite eram veículos blindados produzidos pela marca portuguesa Bravia. Foram usadas por militares da época, especialmente na guerra colonial, e, apesar de não terem feito grande sucesso no estrangeiro, alguns exemplares foram usados no território do Kosovo.
12. Será que a CIA esteve envolvida nos preparativos da revolução?
Não existem provas de que esta agência norte-americana estivesse de alguma forma relacionada com a revolução. Apesar disso, um livro publicado em 2008 (Carlucci vs Kissinger – Os EUA e a Revolução Portuguesa, de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá) mostrou que a CIA estava atenta às movimentações dos militares portugueses, assim como à possibilidade de um golpe.
No mesmo livro, demonstra-se que os norte-americanos, apesar de saberem da iminência de uma revolução, foram apanhados de surpresa. Esta revelação foi feita por Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos em Portugal em 1975, que afirmou também que qualquer ação desenvolvida teria sido para ajudar na vitória das forças democráticas.
13. Quando foram libertados os presos políticos?
Apesar do governo se ter rendido ainda no dia 25, foi só no dia seguinte que as forças militares conseguiram ocupar o Forte de Caxias, uma das prisões políticas que mais presos tinha. No dia 27 de abril, foi a vez do Forte de Peniche ser libertado.
Esta fortaleza, construída por D. Manuel I, foi uma das mais conhecidas prisões durante o Estado Novo, e palco de uma das únicas fugas da prisão durante a ditadura, em 1960 por diversos presos, nos quais se incluía Álvaro Cunhal.
Por sua vez, a Prisão do Tarrafal, em Cabo Verde, foi libertada a 30 de abril. Era conhecida como “campo de morte lenta”, graças às fracas condições de vida, e foi construída em 1936 para ser uma prisão política. Apesar disso, entre 1962 e 1974, foi usada como um campo de trabalho, onde o regime colocava pessoas que considerava antifascistas.
14. Quantos filmes existem inspirados no 25 de Abril?
Existem diversos filmes e documentários que nos contam alguns dos acontecimentos que antecederam e que deram lugar à revolução de 1974. Um deles é A Hora da Liberdade, realizado por Joana Gomes, um filme de 1999 que usa relatos e entrevistas reais, e que relata os acontecimentos que levaram ao início da revolução.
Sobre o dia que mudou a história do nosso país, o filme mais conhecido é Capitães de Abril, datado de 2000 e com a realização de Maria de Medeiros. A sua ação centra-se não só nos diversos eventos que ocorreram no dia 25, como na missão de Salgueiro Maia.
15. Quem foi o primeiro Presidente da República após o 25 de Abril?
O primeiro Presidente eleito após a revolução é António de Spínola. Em novembro de 1973, foi convidado por Marcello Caetano, numa tentativa de o colocar no regime, para a pasta de Ministro do Ultramar, cargo que não aceitou.
A 17 de janeiro de 1974 foi nomeado para vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, cargo de que foi demitido em março por se ter recusado a participar numa manifestação de apoio ao Governo e às suas políticas.
No dia 25 de abril de 1974, enquanto representante do MFA, aceitou do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, a rendição do governo, o que na prática significava uma transmissão de poderes.
Com a instituição da Junta de Salvação Nacional, que detinha as atribuições dos órgãos fundamentais do Estado, foi escolhido pelos seus membros para o exercício das funções de Presidência da República. Ocupou o cargo a 15 de maio de 1974, exercendo-o até 30 de setembro de 1974, altura em que renuncia e é substituído pelo general Costa Gomes.