No Reino Maravilhoso de Miguel Torga, podemos ouvir diversas expressões que, aos ouvidos de gentes de outras regiões, podem parecer estranhas. Nesta terra repleta de vales, montanhas, rios, de natureza selvagem e de gente que gosta de receber, as tradições ainda pulsam de vida em todas as suas vertentes, mesmo na da linguagem. Assim, deixamos-lhe 30 expressões que apenas um transmontano entende:
1. Arrebunhar
Significa o mesmo que “arranhar”, embora as letras a mais dê à palavra outro colorido especial. Portanto, em vez de dizer “o teu gato arranhou-me todo”, pode usar a pronúncia transmontana e dizer “o teu gato arrebunhou-me todo”.
2. Albarda
Para além de designar as selas dos cavalos, burros e outros animais de carga, serve para nos referirmos também a casacos grandes ou algo do género. Portanto, não é incomum ouvir dizer “não te metas nesse caminho de lama ou dás cabo da albarda!”. Esta palavra vem do espanhol, algo muito comum nas expressões do nordeste transmontano, porque a região sofre bastante influência de Espanha.
3. Amarrar
Sim, esta palavra também é usada nas outras regiões, mas aqui, tem um significado diferente. Em Trás-os-Montes, é usada como sinónimo ou substituto de “agachar”. Portanto, se algum transmontano lhe disser “cuidado, amarra-te”, baixe-se ou arrisque bater com a cabeça nalgum sítio.
4. Carranha
É provavelmente a palavra mais nojenta da lista, e significa “macaco do nariz”. Assim, se alguém lhe disser que tem uma carranha, pegue num lenço e assoe-se.
5. Cibo
Significa exatamente o mesmo que “bocado”, podendo ser usado em qualquer contexto. Numa visita a Trás-os-Montes, é muito provável que alguém lhe ofereça, em algum ponto da visita, um cibo de pão e presunto.
6. C’moquera
É difícil explicar esta expressão. “Pode ser que sim” é um bom significado aproximado, mas “c’moquera” pode ser dito em tom normal ou de ameaça. Por exemplo, se não fez todas as cadeiras da universidade este ano, podem dizer-lhe “c’moquera que ainda perdes a bolsa de estudos”.
Da mesma forma, se alguém se aproximar de si com ar ameaçador, basta dizer “c’moquera” em tom de ameaça.
7. C’mássim
Significa mais ou menos “assim sendo”, tendo a vantagem de não precisar de antecedente. Por exemplo, se a conversa estiver fraca, basta dizer “c’mássim, vou andando para casa”. Também pode significar “tem que ser”, como no exemplo “vou limpar o chão da cozinha, c’mássim”.
8. Emplouricar
Significa ir para cima de alguma coisa. Os gatos, por exemplo, gostam de andar “emplouricados” em cima das mesas, portas e móveis. Da mesma forma, algumas crianças andam “emplouricadas” nas árvores. “C’moquera” ainda caem ao chão e se arrebunham todas.
9. Ele é
É uma expressão difícil de explicar, até porque não tem grande jeito. No fundo, é o mesmo que “é”, mas juntando-se um “ele” extra. Por exemplo, em vez de dizer “é aqui o festival?”, um transmontano dirá “ele é aqui o festival?”.
10. Fai
Variante do “faz”, que tem mais a ver com a pronúncia que com o verbo em si. Do género, “fai-me aí um sumo de laranja”. Em princípio, o “fai” não se conjuga noutras formas verbais, tipo “fais” e “faem”, mas pode haver casos para tudo.
11. Massim
A correspondência mais próxima seria “não mas sim”, o que por si só faz pouco sentido. Talvez um exemplo seja mais fácil: imagine que não quer comer a sua salada. Nesse caso, a sua mãe pode dizer:” massim, que te faz bem!”.
12. Manhuço
É um aglomerado de qualquer coisa, numa quantidade que caiba numa mão sem ser possível esconder. Assim, um manhuço de papéis é uma mão cheia de papel.
13. Lapouço
Significa sujo/porco/labrego. Se é uma pessoa que se suja muito a comer, pode ser chamado de lapouço. Existem outras palavras com significado semelhante, embora o significado seja mais forte, designando alguém que seja mesmo porco: “larego” ou “cochino” (diz-se “cotchino”).
14. Ladradeira
Nome dado às senhoras coscuvilheiras, que passam o dia a falar da vida dos outros. A palavra “ladrar” foi assim adaptada de forma pejorativa.
15. Guicho/a
Diz-se “guitcho/a” e é o equivalente a “fino”, usado no sentido de descrever alguém inteligente ou esperto. Portanto, em vez de dizer, “és pouco fino, Zé”, um transmontano diria “és pouco guicho, Zé”.
16. Refustedo /Chaldraria
As duas palavras são usadas para designar uma confusão ou barulheira – tipo “está aqui uma chaldraria/ um refustedo do caraças!”. No entanto, “refustedo” pode também ser usada para substituir a palavra “p**tedo”. Do género “não vás a esse café, que só há lá refustedo”.
17. Larpar
Significa exatamente o mesmo que comer. Portanto, se lhe disserem para se sentar e larpar um cibo de pão, não se assuste.
18. Engaranhado/a
Também se diz “engranhado/a”. Uma pessoa engaranhada é alguém cheio de frio e todo encolhido por causa do mesmo. De inverno, com o frio, é normal uma pessoa sair à rua e ficar logo engaranhada.
19. Arreguichado/a
É mais ou menos sinónimo de empinar. Portanto, em Trás-os-Montes alguém terá o nariz arreguichado, em vez do nariz empinado que usaríamos noutras zonas do país.
20. Birolho/a
Designa alguém que tem os olhos tortos, que seja estrábico. Não é sinónimo de zarolho, já que este último termo se refere a alguém que só tem um olho. Portanto, os birolhos são mais comuns.
21. Furgalhos
Significa o mesmo que migalhas. É, portanto, possível que, na sua visita a terras transmontanas, lhe peçam para partir um cibo de pão com cuidado, para não esfurgalhar.
22. Porí
Pode ser usada no lugar de “se calhar”. Poderá ouvir coisas como “Vais logo ao café?” e alguém responder “porí”, ou um “deve estar engaranhada, porí”.
23. Saronda/Tunda
Saronda e tunda são sinónimos de tareia. Portanto, tente não se armar em guicho, ou ainda leva uma saronda, porí.
24. Bardino/gandulo
São palavras para designar alguém vadio ou meio delinquente. Tipo, “aquele bardino ainda leva uma saronda que até anda de lado!”.
25. Surro
Se alguém tem algum tipo de sujidade na pele, pode-se dizer que essa pessoa tem surro. As crianças podem ouvir muitas vezes “vai-te lavar, que tens surro na cara!”.
26. Bilhó
A palavra designa as castanhas assadas sem a casca, mas também é usada para nos referirmos a uma criança pequena, atrevida e guicha, dizendo “este bilhó não para quieto!”.
27. Zorra
Zorra significa “filha bastarda”. Portanto, quem tem uma filha bastarda em casa tem uma zorra, segundo os dizeres transmontanos.
28. A forma de dizer as horas
O título não é uma expressão transmontana, é sim uma referência ao modo como estes dizem as horas. Fique a saber que sempre que ouvir algo como “são as 3 da manhã”, em vez de “são 3 da manhã”, então é porque está na presença de um transmontano.
29. Bô
É talvez a expressão mais usada por um autêntico transmontano, mas não tem um significado concreto. Pode ser usada como interjeição (“bô era… nem pensar!”), como negação (“bô! Nem pensar que jogas mais playstation!”), como surpresa (“sabias que apareceu um bardino lá no olival?” ao que se responde “Bô!”), ou até para designar algo bom (“este ano tens bô vinho”).
30. Amanhã ou passado
Esta expressão parece contraditória, mas para um transmontano faz todo o sentido. Assim, quando alguém lhe diz “amanhã ou passado vou à jeira para ti”, quer dizer que amanhã ou depois de amanhã essa pessoa vai trabalhar para si.