A belíssima Braga é das mais antigas cidades portuguesas e uma das cidades cristãs mais antigas do mundo; fundada no tempo dos romanos como Bracara Augusta, conta com mais de 2000 anos de História como cidade. No decurso dos séculos foram-se criando algumas Lendas, Estórias e Mitos relacionados com a Cidade.
Algumas destas lendas possuem fundos de verdade, outras são apenas baseadas em mitos urbanos, crenças ou mal entendidos. De todas elas, seleccionámos algumas das mais interessantes, acompanhadas pela história e pela explicação de cada uma.
1. És de Braga, deixa a porta aberta…
É frequente ouvirmos dizer “És de Braga, deixaste a porta aberta”, associando aos bracarenses o facto de se esquecerem das portas escancaradas. Correm algumas versões para justificar este dito. A mais conhecida diz que os bracarenses foram pioneiros em deixar as portas das muralhas abertas.
No início do século XVI, o Arcebispo D. Diogo de Sousa lembrou-se de abrir uma nova porta – ainda hoje conhecida como a Porta Nova – na muralha. O objectivo era completar a rua do Souto, com a abertura da rua Nova, criando uma zona comercial na cauda da rua e uma porta que permitisse aceder à zona extra-muros. Só que, como já não havia guerras e como a cidade já se estendia para fora dos muros, não colocou nenhuma porta de madeira.
Como as outras sete portas ainda eram fechadas ao fim do dia, esta foi uma excepção para aquele tempo. A partir daí, diz-se os bracarenses ficaram conhecidos por deixar a porta aberta…o que ainda era dado a preconceitos. Nunca se sabe quando surgiria uma horda de castelhanos de surpresa.
A outra hipótese, mais plausível, diz que, como no Minho há um grande espírito comunitário entre os vizinhos, e todos se conhecem e sabem da vida uns dos outros, as pessoas não se preocupavam em fechar as portas de casa. Desta forma os vizinhos sentiam-se em casa e entravam e saíam conforme lhes apetecesse. Isso, de facto, ainda hoje se verifica em algumas terras minhotas, daí pensar que é a mais provável. Os bracarenses de gerações pouco recuadas ainda tinham o hábito de deixar a porta aberta.
2. Lenda e comemoração do Dia de São Geraldo
A 5 de Dezembro, comemora-se o Dia de S. Geraldo, Padroeiro da cidade e primeiro arcebispo de Braga.
A sua capela situa-se na fachada norte da Sé Primacial. Entre 1418-1467, o arcebispo D. Fernando da Guerra, depois de Geraldo ser considerado santo, dedicou a capela a este arcebispo, sepultado no retábulo principal.
No dia de S. Geraldo, a capela abre-se, para mostrar os altares ornados de frutos, em vez das tradicionais flores. Tal decoração pitoresca resulta de uma lenda, milagre segundo alguns, que corre a propósito do arcebispo santo: “Encontrava-se S. Geraldo muito doente, às portas da morte, em Bornes, na terra fria, nos princípios de Dezembro cercado no tugúrio onde se refugiara com os seus familiares, fugindo à neve que abundantemente por aquelas terras caía. Nos ardores da febre que o consumia, pede a um dos seus familiares que lhe traga algumas peças de fruta, para apagar a sede e dar um pouco de alento ao seu debilitado corpo.
Contudo, o seu familiar respondeu-lhe que naquele lugar e com aquele tempo invernoso as árvores estavam despidas de folhagens e frutos. Poder-se-ia encontrar pelo chão algumas castanhas e nada mais.
A esta observação respondeu S. Geraldo:
– Vai e procura!
Então, por uma frincha da porta por onde estava o regelante frio, o servo viu que as árvores, lá fora, ao redor do terreiro, estavam recheadas de frutas.”
3. Lenda de S. Longuinhos
Há uma curiosa tradição em Braga, pela festa de São João, envolvendo a estátua de São Longuinho e o Santuário do Bom Jesus do Monte. Nesta época, algumas raparigas namoradeiras andam à volta da estátua de granito, proferindo orações, com objectivo de apressar o seu casamento.
De acordo com uma antiga lenda local, um lavrador muito rico, de nome Longuinhos vivia nos arredores da cidade, perto do Bom Jesus. Solteiro e recatado, era estimado por todos na comunidade. As raparigas solteiras não lhe eram indiferentes, uma vez que entreviam nele um excelente partido, embora nenhuma o impressionasse particularmente.
Certo dia, Longuinhos apaixonou-se por uma rapariga chamada Rosinha, e entendeu que era o momento de partilhar a sua fortuna. Para esse fim, informou-se quem era o pai dela, e procurou-o. Identificou-se e comunicou-lhe as suas intenções, pedindo a mão dela em casamento. O pai dela, entretanto, mostrou-se um negociador difícil, e apenas cedeu quando Longuinhos lhe prometeu uma pensão.
Pedro, era esse o nome do pai de Rosinha, chamou-a e comunicou-lhe que Longuinhos pedira a mão dela em casamento e que ele, como pai, a dera. A rapariga ficou lívida, pois amava outro rapaz, de nome Artur, e diante do altar do Bom Jesus, havia lhe prometido casamento.
O velho pai, com medo de perder o negócio que fizera, armou tal espalhafato que, a filha, apavorada, acabou por dizer-lhe que casava com Longuinhos. Saiu a tremer de ao pé do pai e recolheu-se ao seu quarto, onde, chorosa, começou a orar, apelando a São João. Eis que, de súbito, ouve uma voz dentro de si que lhe dizia que tivesse calma, que tudo se arranjaria.
A voz era a de São João, que dali foi ter com Longuinhos, que também se encontrava em meditação. Dirigindo-se ao lavrador, São João argumentou que, se Longuinhos era tão seu amigo, não seria capaz de estragar a felicidade dos dois jovens que tanto se amavam. Reparou ainda a Longuinhos a desastrosa maneira de falar com o pai de Rosinha, tentando-o com dinheiro.
Longuinhos então caiu em si e compreendeu que, se a rapariga amava outro, e era correspondida, ele não tinha o direito de destruir a felicidade de ambos. Assim o disse ao santo, que ficou muito contente, e acrescentou:
“- Se me consentes, São João, eu próprio serei o padrinho desse casamento! Sei que precisam de um bom começo de vida e eu me encarregarei disso. Quanto ao meu amor, cá o entreterei até que se desvaneça!”
O santo correu então a avisar a rapariga, para que preparasse a boda com Artur, pois arranjara-lhe um bom padrinho. O velho Pedro foi quem ficou a perder, mas lá se consolou como pôde.
4. Lendas Bom Jesus
Duas lendas, sobre o Bom Jesus do Monte, relativas ao aparecimento de uma Cruz e de um Cálice conduzem-nos a uma reflexão histórica, para além de outras a que não atribuímos verosimilhança alguma, como sejam as histórias à volta do Longuinhos e da água da gruta.
A primeira está relacionada com o aparecimento de uma Cruz, sob o céu do Monte de Espinho, após a Batalha do Salado, no século XIV. O prelado bracarense, de então, D. Gonçalo Pereira, atribui a vitória nesse combate à Santa Cruz, de quem era devoto, bem como seu filho, onde no seu estandarte figurava o respetivo símbolo da Cruz. Porque essa Cruz terá aparecido nos Céus do Monte de Espinho, nas fraldas da Serra do Carvalho, de imediato o arcebispo e os bracarenses acorreram ao local e levantaram uma Cruz e edificaram uma pequena Ermida.
O Bom Jesus guarda no seu interior um dos maiores segredos que pela história perdura. Para lá das lendas, dos factos verídicos e de todo o potencial deste fenómeno natural, a devoção à Santa Cruz nasceu espontaneamente. Aí se iniciaram os primeiros passos, se plantaram ideias que brotaram viçosas, se ergueu uma cruz e assim começou uma caminhada devocional que hoje mantém a pujança de outrora.
A segunda sobre o aparecimento de um Cálice, na época da restauração da independência, no século XVII. Segundo a cultura popular teria aparecido um cálice rodeado por um esplendor sobre o Monte Espinho. De imediato, o povo acorreu com maior intensidade ao Bom Jesus em sinal de agradecimento. O jugo castelhano contribuiu para a união dos bracarenses debaixo da protecção do Bom Jesus do Monte, bem como para a sua projecção para fora da região. Muitos atribuíram o sucesso da Independência de Portugal, em 1640, e o fim do domínio filipino à intervenção divina.
O Arcebispo de Braga D. Rodrigo da Cunha foi um dos principais opositores da incorporação de Portugal em Espanha, apoiando os revoltosos. Por este motivo, não são estranhas as lendas relacionadas com o Bom Jesus e a Independência de Portugal. Mais, duma análise iconográfica dos escadórios dos cinco sentidos e das virtudes sobressai um Cálice, símbolo eucarístico, impercetível para a maioria dos peregrinos e frequentadores da estância, onde se vislumbra, com alguma benevolência, a base, o fuste e a copa.