As lendas são pequenas histórias passadas de geração em geração. Muitas delas são claramente fantasiosas e têm apenas o intuito de entreter ou de exprimir algum tipo de valor moral. No entanto, algumas lendas possuem um fundo de verdade e, em alguns casos, existem mesmo algumas dúvidas sobre se os acontecimentos nelas relatados realmente sucederam.
Na Ilha da Madeira, tal como em todas as regiões portuguesas, existem inúmeras lendas. Algumas delas perderam-se no tempo mas outras ainda subsistem. Várias lendas estão relacionadas com a descoberta deste arquipélago e outras com fenómenos históricos ou religiosos.
O certo é que, em algumas delas, subsiste algumas dúvidas sobre se relatam ou não factos que realmente aconteceram. As histórias relatadas não são, muitas vezes, passíveis de serem confirmadas pelos historiadores e, ao mesmo tempo, deixam no ar algumas dúvidas sobre a sua veracidade. Descubra algumas das mais célebres lendas e histórias misteriosas da Ilha da Madeira.
1. Lenda de Arguim
No dia em que a Madeira emergiu dos mares, uma outra ilha atlântica, conhecida por Arguim, que se situava ligeiramente a Norte da primeira, submergiu.
D. Sebastião não teria perecido na batalha de Alcácer-Quibir, teria sido derrotado pelos mouros e fugira para uma ilha no oceano que seria Arguim.
Todavia, na rota para esse local lendário, ele passara pela Ilha da Madeira, tocando o cabo do Garajau. Na rocha mais saliente para o mar, espetou com todas as suas forças a sua enorme espada que aí ficou cravada e encantada. A espada do rei ali ficou a aguardar que um dia ele a retomasse para a reconquista da terra portuguesa, que em pouco tempo foi submetida aos Filipes de Castela.
Dom Sebastião passara a viver em Arguim, em castelos de ouro e marfim, guardado à porta por um leão. Este estilo de vida pacato entediava-o e este adormecia no doce regaço de ninfas e fadas.
Posto isto, há muitos anos, uma caravela ida do continente em demanda da ilha da Madeira, teve à proa a ilha de Arguim, que emergiu subitamente. A caravela, que transportava alguns jesuítas com destino ao Brasil, atracou no seu ancoradouro.
Os mais afoitos saíram de bordo numa chalupa que rumou em direção à praia, e qual não foi o seu espanto quando descobriram que os calhaus da praia eram compostos de ouro puro e a areia era constituída por pedrarias e marfins. Os navegadores subiram então uma encosta onde esperavam encontrar novos deslumbramentos, quando a ilha submergiu arrastando-os para as águas do Atlântico.
No fundo do mar existia outro mundo com flores de uma beleza estranha e peixes belíssimos. Os navegadores assistiram a uma audiência da nova corte de D. Sebastião, numa cerimónia que lhes foi dedicada e com todos os detalhes das festas do paço real. Quando a recepção terminou, a ilha emergiu e todos puderam regressar à praia, com promessas de regresso.
A embarcação foi aportar na ilha da Madeira, onde os navegadores contaram aquilo que viram e anunciaram que, quando Arguim voltasse para sempre à superfície, a Madeira desceria aos abismos marinhos, desaparecendo para sempre do mapa. O dia do regresso de Arguim dar-se-ia quando o moço rei quisesse voltar a recolher a sua espada ao cabo do Garajau para guerrear os ocupantes filipinos.
Diz-se ainda que, numa outra viagem, outra caravela carregada de mantimentos oriundos de Lisboa e com destino à Madeira, atravessou uma dura tempestade perto de Arguim. Houve necessidade de lançar ao mar toda a carga quando, de repente, a nau voltou a equilibrar-se, numa surpreende quietude.
O capitão mandou observar o mar e alguns homens, que tiveram coragem de mergulhar, contaram atónitos e temerosos que haviam visto uma cidade onde as pessoas recebiam, em festa, os sacos de mantimentos que vagarosamente iam descendo da superfície. Ali seria Arguim.
2. Lenda de Machim
Segundo a lenda, entre o final do século XIV e o início do século XV existia em Inglaterra um jovem chamado Roberto Machim, cavaleiro lendário da corte do rei Eduardo III de Inglaterra. Estava apaixonado de uma dama inglesa, Ana de Arfert (ou Ana de Harfert), que correspondia ao seu amor mas, por vontade dos seus familiares, deveria casar com um nobre.
Machim e os seus amigos engendraram um plano para resgatar a noiva antes do casamento e levá-la de barco para França que, na altura, se encontrava em guerra contra os ingleses na Guerra dos Cem Anos. A data da fuga foi acordada com a jovem para as vésperas do dia do casamento.
Ao fugir para longe da costa inglesa, os amantes foram surpreendidos por uma tempestade que os fez perder o rumo ambicionado. Sofrendo contrariedades devido à tempestade, e não tendo a bordo um piloto experiente que os voltasse a colocar no rumo certo, o casal apaixonado andou à deriva durante dias até que viram ao longe uma “grande mancha verde”. Estavam em frente à ilha que, mais tarde, se denominaria ilha da Madeira.
Apesar do medo perante o desconhecido, o desespero levou-os a acercarem-se e, uma vez que a dama se encontrava doente por passar tanto tempo no mar, desembarcaram na enseada que hoje é a baía de Machico. A sua ansiedade por pisar terra firme era tanta que desembarcaram sem tomarem as devidas providências quanto à ancoragem do barco. Depois de explorarem aquele pedaço da ilha e de terem saciado a sua sede, aperceberam-se que nova tempestade se aproximava. Procuraram refúgio por entre as raízes de uma frondosa árvore que lá se encontrava, pois o diâmetro da circunferência do tronco desta era tal, que na sua base havia uma cavidade que conseguia agasalhar muitas pessoas.
Quando a tempestade acalmou, repararam que o mar revolto tinha-lhes levado o barco. A dama atormentada, cujo estado de saúde estava já debilitado, viria a falecer passados poucos dias. Machim ergueu uma enorme cruz em madeira na sepultura da sua amada, junto da frondosa árvore onde haviam encontrado abrigo. Machim foi afetado por uma enorme melancolia e, em menos de uma semana, juntou-se à sua amada na morte.
Diz-se que os restantes membros da expedição que por lá ficaram, tentaram sobreviver e gravaram na cruz a breve história dos dois amados. Alguns morreram, enquanto outros resistiram até à passagem de um barco de mouros que os resgatou e os levou para o Norte de África, para serem vendidos como escravos. Um destes teria sido resgatado pelo pagamento de libertação de cativos que, normalmente, os cristãos realizavam junto dos negociantes africanos. E foi este sobrevivente que contou a saga de Machim aos portugueses.
A lenda conta ainda que os descobridores portugueses, quando aí chegaram alguns anos depois, conseguiram descobrir a cruz de madeira e a inscrição. Edificaram então a primeira capela da ilha na cavidade da árvore, atribuindo o nome de Machico à localidade em honra dessa inscrição.
3. Lenda de São Silvestre
Reza a lenda que na última noite do ano, estando a Virgem Maria debruçada dos céus sobre o oceano, São Silvestre veio-lhe falar. Nossa Senhora confiou-lhe a razão da sua tristeza: lembrava-se da bela Atlântida, afundada por Deus para castigo dos seus habitantes.
Enquanto falava, Nossa Senhora deixava cair lágrimas de tristeza e de misericórdia. São Silvestre reparou então que as suas lágrimas não eram lágrimas mas pérolas autênticas. Uma dessas lágrimas foi cair no local originário da extraordinária Atlântida, dando origem à ilha da Madeira que ficou conhecida como a Pérola do Atlântico.
Dizem os antigos que, durante muito tempo, na noite de S. Silvestre, quando batiam as doze badaladas, surgia nos céus uma visão de luz e cores fantásticas que deixavam no ar um perfume estonteante.
Com o passar dos anos essa visão desapareceu, mas o povo arranjou forma de a manter, através do fogo-de-artifício das famosas Festas de Fim de Ano que enaltece as celebrações da Noite de S. Silvestre.
4. Lenda da Nossa Senhora do Monte
Conta-se que no final do século XV, a cerca de 1 quilómetro acima da igreja de Nossa Senhora do Monte, na localidade do Terreiro da Luta, uma menina brincava durante a tarde com uma pastorinha. A pastorinha ofereceu uma merenda a esta menina.
A menina, muito satisfeita, contou o sucedido à sua família, que não acreditou na sua história, por ser improvável que naquela mata deserta e tão afastada da povoação aparecesse uma menina. Na tarde do outro dia, a menina voltou a brincar com a pastorinha que voltou a dar-lhe merenda, e a pastorinha contou novamente à família.
No dia seguinte, à hora indicada pela pastorinha, o seu pai foi de modo oculto observar a cena. Foi quando viu sobre uma pedra uma pequena imagem de Maria Santíssima e, à sua frente, a inocente pastorinha que se apressou a dizer-lhe que era aquela imagem a menina de quem lhe falava.
O pai, perplexo, não ousou tocar a imagem e comunicou o facto à autoridade, que mandou colocar a imagem na Capela da Encarnação, próxima da atual igreja de Nossa Senhora do Monte. Deu-se, desde então, este nome àquela veneranda imagem.
5. Lenda de Ladislau
Ladislau III, rei da Polónia e da Hungria, viveu no século XV. Pouco depois de ter iniciado o seu reinado, este jovem inexperiente nas artes da guerra e da política, levou o seu país à guerra com os Turcos.
Em 1444, Ladislau foi derrotado na Batalha de Varna, tendo desaparecido na mesma. O seu corpo nunca foi encontrado mas na Polónia, haviam rumores de que o rei estava vivo e não tinha morrido em Varna.
Dez anos depois da batalha, apareceu na Ilha da Madeira o misterioso Cavaleiro de Santa Catarina do Monte Sinai, tendo por nome Henrique Alemão. O capitão Gonçalves Zarco tratava-o com as devidas honras de um príncipe soberano. O cavaleiro casou com a Senhorinha Annes, senhora de uma das famílias mais nobres, tendo D. Afonso V, Rei de Portugal, sido seu padrinho de casamento.
Certo dia, um grupo de frades franciscanos polacos visitaram a ilha e reconheceram no cavaleiro de Santa Catarina o seu rei e pediram-lhe que regressasse à Pátria. Os rumores deste acontecimento propagaram-se e o rei de Portugal chamou o Cavaleiro ao Algarve para uma conversa confidencial, no entanto, ao regressar do Algarve, o Cavaleiro de Santa Catarina, Henrique Alemão/Ladislau III, viria a encontrar a morte, quando a sua barca foi alcançada por uma quebrada no sítio do Cabo Girão.
Enigmaticamente, uma superstição lembrada pelo Conde DraKul (Drácula), aliado da Polónia contra os Turcos, ajusta-se na história: uma profetisa afirmara que o Príncipe (Ladislau) “se escapara à guerra mas morrerá de morte inglória”. Por outro lado, o chefe Turco, Amurat II, nunca perdoou a traição de Ladislau ao acordo que ambos tinham assinado no final da batalha de Varna e, apesar da sua vitória absoluta, lançou-lhe uma maldição: “Que o castigo do traidor vá, se a tiver, até a sua descendência”.
A verdade é que o filho e herdeiro de Henrique Alemão também morreu tragicamente no mar quando, segundo o que se conta, se encaminhava à Polónia para esclarecer algumas dúvidas acerca da linhagem da família.
A tradição popular diz que as figuras do quadro da Igreja de St.ª Maria Madalena são, na verdade, os retratos de Henrique Alemão e Senhorinha Annes, sua esposa, fundadores da mesma e, que como compradores do quadro quiseram figurar na pintura, como acontecia muitas vezes com os doadores na época.
Até hoje não se encontrou qualquer documento que prove ou negue, de forma definitiva, esta história.