O dia 29 de abril de 1847 ficou marcado na memória dos portugueses, e especialmente dos que habitavam em Lisboa, durante décadas. Hoje, o episódio que nesse dia teve lugar é pouco conhecido entre a maioria da população, que pouco ou nada conhece sobre esse dia dos horrores, em que mais de mil prisioneiros, muitos deles perigosos e armados, dispersaram pelas ruas da capital, aterrorizando a população, que sofria já com a escassez de mantimentos.
Eram cinco da tarde quando cerca de 40 homens armados do 2º Batalhão de Sapadores se dirigiu ao Limoeiro, exigindo a abertura dos portões da prisão por supostos desacatos no interior. Ao mesmo tempo, dispararam para a prisão, matando o carcereiro e o guarda da porta. Assim, o grupo conseguiu entrar na prisão, apoderar-se das chaves e libertar todos os prisioneiros.
Toda a facilidade do processo levou a suspeita de conivência interna, havendo quem garantisse que as celas estavam já escancaradas e que os guardas nem levantaram resistência. Parece que o objetivo da incursão era libertar a cerca de centena e meia de presos políticos que no Limoeiro se encontravam. No entanto, acabaram por libertar 1026 detidos, entre os quais assaltantes e assassinos.
Um grande grupo de prisioneiros dirigiu-se ao Castelo de São Jorge, também usado como cadeia na altura, e tentou atacar de surpresa. Os planos acabaram por sair gorados graças a um sentinela, que deu o alarme e levou a que a turba debandasse. Foram enviadas tropas para conter esta horda, mas por essa altura já muitos estragos estavam feitos. Do confronto entre foragidos e estas tropas, resultaram ainda mais danos e até mortes.
Rapidamente se recapturaram os primeiros 42 fugitivos e, até final da noite do dia 30, já tinham sido recolhidos cerca de 600 prisioneiros. Três dezenas deles foram mortos, e um número ainda significativo conseguiu sair da cidade rumo ao Sul. Curiosamente, dos presos políticos, que se queriam soltar efetivamente, 16 recusaram sequer sair do Limoeiro e participar na tentativa de fuga.
Este episódio foi muito noticiado em jornais internacionais, que, semanas antes, afirmavam que o estado de Lisboa era assustador, já que grande parte da população não tinha o que comer, graças à desvalorização da moeda e ao aumento rápido do custo dos alimentos. Segundo esses mesmos jornais, este episódio, bem como outros de igual violência e perturbação, causaram um sentimento de animosidade em relação à Rainha, D. Maria II, vista como responsável por todos estes males.
De facto, entre a primavera e 1846 e 1847 sucederam-se vários tumultos, como a famosa revolta da Maria da Fonte, que se propagaram pelo território nacional, numa revolta contra as leis lançadas pelo governo dos Cabrais (os irmãos António Bernardo da Costa Cabral e José Bernardo da Silva Cabral), que envolviam coisas como o aumento dos impostos, alterações no recrutamento militar e até a proibição de realizar enterros nas igrejas.
As fações políticas da época aproveitaram a instabilidade e, entre quedas de governos, intrigas e golpes, pegaram em armas e colocaram o país a ferro e fogo. Os ânimos só apaziguaram quando D. Maria II conseguiu que os restantes países da Quádrupla Aliança (França, Espanha e Inglaterra) se comprometesse a apoiar os seus propósitos e ajudasse na contenção dos revoltosos, o que acabou por acontecer. Assim, a Rainha aceitou os termos impostos pelos aliados, na Convenção do Gramido.
A 10 de junho de 1847, proclamava-se uma amnistia geral para os suspeitos de implicação nas revoltas, embora só em teoria, porque estes foram vítimas de vinganças e represálias. Quanto ao Limoeiro, os seus guardas acabam por ser ilibados de responsabilidade na fuga. A prisão em si continuou o espaço sobrelotado e degradante que já era, foco de doenças e de vícios.
Talvez seja mais fácil entender todos estes tumultos se os relacionarmos com a pobreza que se vivia em Portugal e com o ambiente pesado resultado da guerra civil que tinha acontecido poucos anos antes. De facto, entre 1832 e 1834, o país debateu-se com a guerra entre os Liberais e os Miguelistas. Os Liberais acabariam por vencer, o que ditou a continuação de D. Maria II no trono e a renúncia do seu tio D. Miguel.
No entanto, as sequelas da guerra civil foram imensas. Para além das mortes, houve muita destruição que causou pobreza e fome. Além disso, o país não ficou totalmente pacífico após o final da guerra: por todo o lado eclodiam pequenas revoltas pelas mais variadas razões. O país pode ter visto a guerra chegar ao fim, mas demorou muito tempo até sarar as feridas.
O descontentamento continuou nas décadas seguintes, criando as condições naturais para a revolta popular que acabaria por ditar o final da Monarquia, cerca de 60 anos depois. Quanto ao dia 29 de Abril de 1847… acabaria por cair no esquecimento, no meio de tantas convulsões sociais vividas naquela época.