Sabia que foi a vitória de um grupo de pescadores pobres que inspirou a insurreição contra os franceses em Portugal? Este episódio da história portuguesa não é muito conhecido pela generalidade da população, mas a verdade é que esta vitória popular sobre os invasores incendiou a revolta noutros pontos do nosso país. Mas afinal, como é que um exército pode ser derrotado por pessoas sem preparação nenhuma?
Em junho de 1808, em Olhão, que na altura era uma aldeia pobre, deu-se tão singular facto. Mas vamos por partes. A 29 de novembro de 1807, a Corte portuguesa tinha embarcado para o Brasil, dado que os franceses tinham já entrado em território nacional e tomado conta de uma grande porção dele.
Em Olhão, terra de homens e mulheres de vida agreste, pela lida do mar, criava-se um sentimento de ressentimento em relação aos invasores, dado o tamanho dos impostos a que o novo poder obrigava. Verdade seja dito que a maioria do país não apreciava os invasores e vivia subjugado pelo peso desses mesmos impostos. Mas Olhão insurgiu-se.
A 12 de junho de 1808, João Rosa, o escrivão do Compromisso Marítimo de Olhão, destapou as armas de Portugal na igreja onde assistia à missa, uma vez que os opressores tinham obrigado ao encobrimento desse símbolo. A notícia correu e todas as embarcações na praia e em terra levantaram a bandeira portuguesa, em desafio. Quatro dias depois, foi a vez de José Lopes de Sousa, governador de Vila Real de Santo António (entretanto destituído por não ceder aos franceses), decidir rasgar os editais franceses e instigar o povo a segui-lo na revolta.
Quem o ouviu respondeu ao seu repto e chamou ainda mais pessoas, correndo pelas ruas. Algumas pessoas deitaram-se ao mar, em busca das peças de artilharia que se encontravam nas ilhas, enquanto outros pegaram no que podiam, desde paus, espadas velhas, forcados ou até pedras. A população respondeu em massa à revolta, tendo dela participado não só homens, mas também mulheres e até padres.
Ao longo dos dias seguintes, a população procurou apoio junto da armada inglesa, ao largo da costa e em Ayamonte, tendo conseguido aprisionar três barcos franceses e respetivos ocupantes. Com isto, reuniram mais armas e conseguiram impedir o reforço do contingente francês em Faro. Os invasores responderam pedindo reforços de Tavira e Vila Real de Santo António, mas isso não demoveu o valente povo de Olhão.
O episódio mais dramático desta contenda deu-se na Ponte de Quelfes, em que as perseguições se seguiram aos tiros, tendo-se matado 18 franceses e ferido dois. Do lado português, apenas houve uma baixa durante a contenda, embora os franceses, ao retirarem, tenham matado mais dois rapazes.
Os dias da contenda foram incrivelmente penosos para os olhanenses, que não tinham mantimentos externos e que não podiam ir ao mar, já que não tinham descanso. Ao verem que a força não conseguiu vergar Olhão, os franceses ainda tentaram comprar a sua vontade com isenções e privilégios, sem sucesso.
Tentaram depois arrasar a localidade, mas era tarde demais: já Faro, Tavira e outras localidades se começavam a revoltar também. Com a ajuda dos algarvios, o Alentejo levantou-se contra os invasores, a que se seguiu o resto do país. Em setembro, terminava a primeira invasão francesa.
Não contentes, o povo de Olhão tomou nas suas mãos a missão de levar as boas notícias ao Brasil. Assim, a 6 de julho, saía de Olhão o caíque Bom Sucesso, embarcação de pesca totalmente desadequada para tamanha viagem.
Tinha uma tripulação de 18 homens, todos eles estreantes em tais empresas. Sem instrumentos de navegação e munidos apenas de cartas marítimas incompletas, bem como o conhecimento das correntes e das estrelas, conseguiram aportar no Rio de Janeiro sãos e salvos, sob o comando do piloto Manuel de Oliveira Nobre, a 22 de setembro.
Mais do que levar a boa nova, os olhanenses procuravam a independência que já há muito ansiavam. Assim, D. João VI concedeu a Olhão o estatuto de vila, com todos os privilégios e liberdades das restantes vilas do reino.
Os tripulantes do Bom Sucesso receberam tenças e medalhas pelos seus feitos. Assim, em menos de um século, um pequeno aglomerado de cabanas era elevado à categoria de vila, com tal distinção a ser conquistada a pulso pelo povo.