Até 1910, ano em que se instaurou a república em Portugal, o chefe de Estado nacional tinha o título de Rei de Portugal e dos Algarves, D’Aquém e D’Além Mar em África, etc. Curiosamente, os republicanos não chegaram a abolir o Reino do Algarve, pelo que, presumivelmente, este estaria ainda na ordem constitucional atual. Mas afinal, se o Algarve é uma província portuguesa desde o reinado de D. Afonso III, porque é que nunca foi formalmente incluído no Reino de Portugal?
O Al-Gharb muçulmano não se limitava ao Algarve de hoje, indo desde Coimbra até às atuais fronteiras algarvias. Na altura, já o Al-Gharb era um Reino, com capital em Silves (Xelb) e com uma importância cultural e económica de renome, que vinha a crescer desde a época romana. Neste Reino, durante mais de cinco séculos, também o cristianismo existiu no Algarve, embora sob domínio dos povos islâmicos, árabes e berberes.
D. Afonso Henriques nunca chegou a pisar as terras do atual Algarve. Coube ao seu filho, D. Sancho I, essa honra, tendo em 1189 conquistado Silves e passado a usar a designação de Rei de Portugal e dos Algarves (já que, como vimos, o Algarve era um reino muçulmano). A conquista foi efémera, já que em 1191 os árabes reconquistaram a cidade.
Foi em 1250, já no reinado de D. Afonso III, que se conquistaram definitivamente as fronteiras do Algarve de hoje, 110 anos depois das primeiras tentativas de conquista de terras muçulmanas.
De realçar que a história costuma relatar que a conquista de Faro e de outras localidades algarvias foi feita de banhos de sangue e de uma brava e vitoriosa batalha para os portugueses. Na verdade, D. Afonso III estabeleceu um pacto com os mouros: deu-lhes as mesmas leis em todos os assuntos, podiam ficar nas suas casas e o Rei comprometia-se a defendê-los de invasores. Quem queria, podia ir embora livremente e levar os seus bens.
Qualquer cavaleiro mouro que ficasse passaria a ser vassalo do Rei, e este devia tratá-los com honra e misericórdia. No final de 1250, renderam-se os últimos bastiões muçulmanos (Porches, Loulé e Aljezur), aceitando a aliança portuguesa.
Havia, no entanto, um senão: o Rei de Castela, Afonso X, considerava que o Reino do Algarve lhe pertencia, já que o Rei do Algarve, Musa ibn Mohammad ibn Nassir ibn Mahfuz, lhe prestava vassalagem. Esta situação gerou algum mau estar entre os vizinhos ibéricos, com ambos a reclamar soberania sobre esta região do sul de Portugal.
Assim, D. Afonso III casou com D. Beatriz de Castela, filha de Afonso X, com a intenção de formar uma aliança com este e resolver o assunto de uma vez por todas. Contudo, só em 1267, com o Tratado de Badajoz, é que D. Afonso X fez do seu neto, D. Dinis (futuro rei de Portugal), herdeiro do trono do Algarve. Diz-se que D. Afonso X tinha um carinho muito especial pelo seu neto e que isso contribuiu decisivamente para a sua decisão.
Séculos mais tarde, em 1415, as conquistas do norte de África levam a que os territórios de além-mar passassem a fazer parte do Reino dos Algarves (no plural, já que existia o “Algarve de aquém mar”, que incluía o atual território e o “Algarve de além mar”, que incluía os territórios africanos conquistados aos mouros e as ilhas descobertas no oceano).
Considerava-se assim que as novas conquistas eram uma expansão do Reino do Algarve, já que o Reino de Portugal acabava no Alentejo. Assim, o próprio arquipélago da Madeira fazia parte do Reino dos Algarves, tal como Ceuta ou Mazagão, em Marrocos.
Este Reino não era autónomo, tendo as mesmas leis que o de Portugal, mas estava separado por vontade própria dos reis portugueses, que nomeavam sempre um governador para o Algarve. De resto, pouco ou nada mais tinham de autónomo ou de independente. O título de Reino seria apenas uma espécie de “reconhecimento” pelo seu anterior estatuto de reino muçulmano.
O Reino do Algarve apenas foi abolido uma vez, em 1773, por D. José I. A sua filha, D. Maria I, voltou a restaurá-lo quando sobre ao trono, e assim permaneceu até à república. Curiosamente, e talvez por motivos ligados à honra e ao orgulho, o Rei espanhol ainda hoje ostenta o título de “Rei de Espanha e dos Algarves”.