Pode parecer estranho, mas isto apenas não é uma verdade total devido à burocracia: mas no dia 1 de fevereiro de 1908, Portugal teve 2 reis no mesmo dia. Este foi o dia em que se deu o regicídio de D. Carlos I, o que desencadeou a situação. Mas para melhor se compreender a questão, vale a pena perceber o que se passou no dia do regicídio.
O atentado deu-se na Praça do Comércio (mais conhecida na altura pelo nome de Terreiro do Paço), e marcou profundamente a nossa história, tendo dele resultado a morte do Rei e do seu herdeiro, e tendo sido a última tentativa séria de reforma da Monarquia Constitucional. O atentado foi consequência do crescente clima de tensão no cenário político do nosso país.
Duas coisas contribuíram para este cenário: uma delas era o caminho do Partido Republicano Português, que se apresentava como a solução para o sistema partidário da altura; a segunda era a tentativa do Rei, como árbitro político, de solucionar os problemas desse mesmo sistema, apoiando a ditadura do Partido Regenerador Liberal de João Franco, com a suspensão da Carta Constitucional em 1907.
O Rei, a Rainha e o Príncipe Real estavam então em Vila Viçosa, a passar a temporada de inverno. D. Manuel havia regressado a Lisboa dias antes, por causa dos seus estudos enquanto aspirante na marinha. A instabilidade levou a que D. Carlos decidisse voltar a Lisboa na manhã do dia 1 de fevereiro.
Com cuidado, e para que a rainha não perceba, o herdeiro ao trono, D. Luís Filipe, arma-se com o seu revólver de oficial do exército. Um descarrilamento ligeiro junto ao nó ferroviário de Casa Branca provoca um atraso de uma hora na viagem, que mesmo assim prossegue.
A comitiva chegou ao Barreiro já no final da tarde, embarcando depois no vapor “D. Luís” com destino ao Terreiro do Paço, onde desembarcaram na Estação Fluvial Sul e Sueste por volta das cinco horas. Vários membros do governo, incluindo João Franco, os esperavam, para além de D. Manuel e de D. Afonso, irmão do Rei.
Apesar do clima de tensão, D. Carlos decide fazer o resto do percurso em carruagem aberta, envergando o uniforme de Generalíssimo. A escolta era pouca, apenas os batedores protocolares e um oficial a cavalo, Francisco Figueira Freire, que seguia ao lado da carruagem do Rei.
Havia poucos populares no Terreiro do Paço. Quando o carro circulava no lado ocidental da praça, ouve-se um tiro e começa o tiroteio. Um homem de barbas dirige-se para o meio da rua, leva a mão à carabina que tinha escondida, põe o joelho no chão e faz pontaria. O tiro atravessa o pescoço de D. Carlos, matando-o imediatamente. Outros atiradores atiram sobre a carruagem, espantando os populares, que fogem em pânico.
O primeiro atirador, Manuel Buíça, professor primário que tinha sido expulso do exército, volta a disparar, varando o corpo do rei, que descai para a direita, ficando com as costas para o lado esquerdo da carruagem.
Aproveitando isto, surge Alfredo Costa, empregado do comércio e editor de obras de escândalo, que pondo um pé sobre o estribo da carruagem se eleva ao nível dos passageiros e dispara no rei já morto.
A rainha fustiga-o com um ramo de flores, única coisa que tem à mão, gritando “Infames! Infames!”. O criminoso vira-se para o herdeiro da Coroa, mas este levanta-se e dispara, embora tenha sido atingido no peito. A bala não penetra no esterno (segundo outros relatos, atravessa-lhe um pulmão, embora não fosse uma ferida mortal).
Mas ao levantar-se para desferir quatro tiros sobre o atacante, que tomba, o Príncipe Real fica na linha de fogo, e Manuel Buíça atira a matar, com uma bala de grosso calibre a atingir o príncipe na face esquerda, saindo pela nuca. D. Manuel vê o irmão tombado e tenta estancar-lhe o sangue com um lenço, que logo fica ensopado.
D. Amélia continua de pé, a gritar por ajuda e a tentar defender o único filho que lhe resta. Buíça volta a fazer pontaria, mas é impedido de disparar pela intervenção de Henrique da Silva Valente, soldado de Infantaria 12, que passava no local e se lança ao atacante de mãos nuas. Na luta que se segue, o soldado é atingido numa perna, mas a sua intervenção é providencial.
Voltando ao seu cavalo, o oficial Francisco Figueira dispara sobre Costa, que tinha sido ferido pelo príncipe e foi depois atingido por um golpe de sabre e preso pela polícia. De seguida, dirige-se a Buíça, que ainda o consegue atingir na perna com uma bala e tenta fugir, embora sem sucesso.
E onde entram aqui os 3 reis num dia? Analisando a história, após o assassínio de D. Carlos, seria Rei D. Luís Filipe, assassinado minutos após o seu pai. Por fim, a coroa passa para o segundo filho real, D. Manuel, na altura com apenas 18 anos.
Embora este seja o relato e cronologia do regicídio, no entanto, não podemos considerar oficialmente que houve 3 reis num dia. Isto porque, para que ocorra a aclamação de um Rei, é necessário cumprir um conjunto de formalidades e de requisitos legais que envolviam o parlamento e outras entidades. No entanto, este não deixa de ser um pormenor curioso da nossa história.
Dia da Infâmia. O processo judicial haveria de ser destruído após a chegada, por golpe de estado, dos republicanos ao poder, algo que nunca conseguiram anteriormente através de eleições livres. Só não foram derrotados porque a rainha mãe, por amor à Pátria, não quis que esta caísse novamente numa guerra civil. A par com Alcácer Quibir, constitui um dos dois piores e mais destrutivos momentos da História de Portugal. Só que desta vez não há Restauração… Apenas os remendos de 26 e 74.