Conhecida como a Ferreirinha, esta mulher combateu uma praga nas vinhas, criou um autêntico império e o seu nome ainda hoje é associado ao vinho do Porto. Tudo isto num negócio e tempo dominado por homens de barba rija, numa sociedade que secundarizava o papel das mulheres. Antónia Adelaide Ferreira marcou uma geração e mudou um negócio que era exclusivo dos homens e que se encontrava, em grande parte, nas mãos dos ingleses.
A sua determinação e resiliência permitiu que se ultrapassasse uma grave crise nos socalcos do Douro. Não é de admirar que ainda hoje esta mulher à frente do seu tempo seja admirada com alguma reverência.
Quando o oídio chegou, por volta de 1870, destruiu grande parte das vinhas do Douro. A Ferreirinha, que tinha armazenado grandes quantidades de vinho excedente, vê a forma como os preços escalam rapidamente, põe o seu produto no mercado e multiplica a sua fortuna, já de si considerável. Depois, chegou a filoxera, que afetava as vinhas e tinha uma progressão imparável.
Esta praga alastrou-se rapidamente pelo Douro, levando a que muitas produtoras desaparecessem e a que o preço do vinho aumentasse, devido à escassez. Apesar de os domínios da Ferreirinha terem sido duramente atingidos, ela decide ripostar.
Cansada da indiferença do governo português em relação ao assunto, decide partir para Inglaterra, para tentar perceber o que pode ser feito para vencer a praga. Acabou por chegar à conclusão de que as vinhas americanas eram imunes à filoxera, e por isso, empreendeu uma completa revolução na maneira como se produzia o vinho na região do Douro.
A Ferreirinha passou a ser um símbolo do Douro, tendo comprado diversas quintas, para evitar que caíssem em mãos inglesas, e desenvolvido um trabalho social na região muito relevante, fundando obras de benfeitoria como os hospitais da Régua e de Lamego, entre outros.
Mas quem era esta mulher tão sagaz e empreendedora? Antónia Adelaide Ferreira nasceu no Peso da Régua, em 1811, numa abastada família duriense, que era proprietária de muitas vinhas na região. Por ordens do seu pai, José Bernardo Ferreira, casou com um primo, pouco interessado no negócio de família e que se dedicava a esbanjar uma parte substancial da sua fortuna. Do casamento nasceram dois filhos, Maria da Assunção e António Bernardo Ferreira.
A Ferreirinha acabou por enviuvar aos 33 anos, e pensa-se que foi aqui que a sua vocação empresarial terá despertado. Tomou as rédeas do negócio, afrontou governos, falava com dignatários de igual para igual e ficou cada vez mais rica e poderosa. Acabou por casar uma segunda vez, com José da Silva Torres, e ao longo do tempo, expandiu os seus interesses para além do vinho, investindo em amendoeiras, oliveiras e cereais.
Sabia-se que deitava um olhar muito especial à sua Quinta do Vesúvio, que ainda hoje é uma referência na produção de vinho do Porto, e que acompanhava de perto todo o processo de produção. Morreu em 1896, com 84 anos, na cidade onde nasceu, depois de, em 1861, ter sobrevivido ao fatal naufrágio do Cachão da Valeira, que vitimou o Barão de Forrester.
A história daquela que é a mais antiga região demarcada do mundo não se pode escrever sem falarmos do nome, vida e ação da Ferreirinha, mulher de um empreendedorismo e impulso singulares, que levou o vinho do Porto até patamares então desconhecidos.
Antónia Adelaide Ferreira deixou um legado difícil de igualar, que ainda hoje sobrevive. A Casa Ferreirinha gere muitas das quintas que a Ferreirinha foi acumulando há mais de 100 anos. Por isso, se algum dia abrir uma garrafa do exclusivo vinho Barca Velha, lembre-se que tudo começou às mãos desta mulher tão singular, que se conseguiu impor num mundo que todos diziam não ser o dela.
Não é por acaso que ainda hoje se atribuiu o Prémio Dona Antónia Adelaide Ferreira, distinção para figuras femininas portuguesas que, de alguma forma, replicaram o exemplo extraordinário da Ferreirinha, seja na vertente social, seja no empreendedorismo.
A Ferreirinha pelos vistos era uma mulher de ferro. Grande mulher e grande patriota.
Linda histórico, sempre fico curioso para ler histórias de munheres que singraram na vida comercial e principalmente em época que os homens é que titavam as regras.
Empolgante a história desta senhora e de muito pulso, numa época em que os homens ditavam o que fazer e as mulheres baixavam a cabeça