Quando passamos pelas margens do Douro no Porto ou em Vila Nova de Gaia, não conseguimos ficar indiferentes aos pequenos barcos em madeira que aí encontramos. Afinal, os famosos barcos Rabelos apelam à tradição e à antiguidade, mas também à bravura e coragem dos portugueses. Mas qual é a sua origem e qual é a sua história?
Muito antes da criação de estradas e caminhos-de-ferro, as remotas quintas do Vinho do Porto eram acessíveis apenas pelo rio. Assim, os barcos Rabelos tiveram um papel crucial em dar a conhecer ao mundo este vinho, que tinha que ser apreciado por todo o mundo.
Desempenharam um papel crucial no transporte eficaz do vinho do Porto desde o local onde eram produzidos, no Douro Vinhateiro, até ao local onde ficavam as caves e os empresários que o exportavam, no Porto e em Gaia.
Mas, nesta altura, o Douro fervilhava de fúria, correndo com uma cólera e raiva inigualáveis, só descansando quando chegava ao mar. Até à construção das barragens, na década de 70, o rio tinha uma corrente turbulenta e muito rápida. E foram estas mesmas águas que os barcos Rabelos atravessaram, liderados por corajosos marinheiros portugueses.
Estes barcos foram uma obra-prima do seu tempo, tendo sido desenhados para sobreviver às rápidas correntes do Douro. São uma embarcação de fundo chato e com vela quadrada, que mede entre 19 a 23 metros, que podia transportar até 100 barris de vinho do Porto e uma tripulação de até 12 homens.
Estes tripulantes eram homens de fé, até porque só com uma crença inabalável e certezas de proteção divina se conseguia ter a coragem necessária para partir numa jornada tão fatídica, sempre com a incerteza se voltariam a pisar em terra firme.
Algumas viagens eram incrivelmente calmas, mas quando o barco era apanhado na corrente enfurecida, não havia mais a fazer que confiar no destino e rezar. Numa tentativa de as preces chegarem mais rapidamente aos céus, era costume dar nomes religiosos aos barcos Rabelos, e foram também edificados diversos santuários e desenhadas maravilhosas pinturas nos penhascos com vista para os desfiladeiros mais perigosos.
Infelizmente, isto não era suficiente muitas vezes e, apesar de serem homens fortes e habilitados a navegar, muitos perderam a vida no Douro, incluindo o Barão Forrester, que faleceu afogado em 1861, no seguimento de um naufrágio.Diz-se que foi dos primeiros a afogar-se devido ao peso do seu lendário cinto de dinheiro, cheio de ouro.
No mesmo barco Rabelo onde se afogou o Barão Forrester seguia também a famosa empresária Antónia Adelaide Ferreira, conhecida como a “Ferreirinha“, que não se terá afogado graças às saias de balão que vestia, que a fizeram flutuar até às margens do Douro.
Apesar de tudo, e malgrado as águas impiedosas, muitos Rabelos chegaram ao seu destino, e milhares de barris chegaram às caves do Vinho do Porto, sendo o vinho depois enviado para o mundo.
A primeira via ferroviária do Douro foi terminada em 1887, o que marcou o declínio dos barcos Rabelos, que deixaram de ser a única opção para o transporte de mercadorias. Mesmo assim, estes barcos não caíram em desuso durante décadas – de facto, crê-se que a última viagem de um Rabelo pelo Douro ocorreu já em 1964.
Nos nossos dias, os Rabelos continuam a embelezar o Douro, ainda que apenas na zona ribeirinha. Continua a valer a pena fazer um cruzeiro pelas margens do Porto e de Vila Nova de Gaia em réplicas destes belos barcos.
E no dia de São João, a 24 de junho, realiza-se um dos eventos mais aguardados do ano, a “Regata Anual dos Rabelos”, evento que embeleza as margens do Douro e ajudam a manter viva a memória desta História tão orgulhosamente portuguesa.