Podemos pensar que as auroras boreais apenas são visíveis nos países escandinavos apenas são visíveis nos países escandinavos, mas a verdade é que elas podem acontecer noutros locais. Que o diga Adélia Barros, que assistiu a este fenómeno a 25 de janeiro de 1938, quando foi possível ver a aurora boreal no nosso país.
Uma aurora boreal nas nossas latitudes é um fenómeno raríssimo, mas não impossível. Na época, no entanto, e graças à falta de conhecimento, atribuiu-se tal fenómeno a um sinal divino, que anunciava o fim do mundo. Conseguimos recuperar o relato de Adélia, que na altura tinha 5 anos, mas que guardou sempre na sua memória este belíssimo acontecimento:
“Estávamos em pleno Inverno. Dia vinte e cinco de Janeiro de 1938. Tempo de frio, chuvas intensas e ventos fortes. Por vezes a neve resolvia presentear-nos com a sua visita. Os campos e os caminhos apareciam todas as manhãs cobertos de geada transparente como cristal, o que dificultava o acesso a esses lugares.
Era necessário redobrar os cuidados nas caminhadas que não podiam deixar de ser feitas. Os agricultores tinham de deixar que a geada derretesse para poderem colher nos campos os produtos agrícolas para sua subsistência e dos seus animais domésticos.
Este dia estava particularmente frio. Na minha aldeia quase ninguém ousava sair à rua. Nas lareiras crepitava a fogueira e todos procuravam aninhar-se à sua volta para resistirem aos rigores das temperaturas excessivamente baixas. Na minha casa, além da fogueira habitual, tinha-se acendido o forno para cozer a broa que a minha mãe amassou como fazia sempre. É que ela não confiava a ninguém esta tarefa!
Se, de dia, poucas pessoas saíam de casa, quando a noite caía ninguém mais deitava o nariz fora da porta, exceto em situações especiais: buscar mais lenha para manter a lareira acesa, tratar algum animal que estivesse a necessitar de cuidados especiais ou então ir ao armazém, onde se guardavam os produtos agrícolas, abastecer-se de algum que eventualmente tivesse acabado.
No silêncio da noite, qualquer som, por mais insignificante, toma uma dimensão enorme. Foi o que aconteceu nessa noite: ruídos estranhos, semelhantes à queima de lenha seca, começaram a ser ouvidos por todos nós que estávamos à volta da lareira. O Manuel, nosso feitor, a quem, carinhosamente, chamávamos “Pionas,” ao ouvir estes barulhos, assomou ao postigo da porta para se inteirar do que se passava.
Mal deitou a cabeça fora da pequena janela, apercebeu-se que o céu estava vermelho da cor do fogo, parecendo em chamas, donde se desprendiam raios luminosos. Gritou para todos nós: venham ver, é o fim do Mundo. De imediato gritos aflitivos se fizeram ouvir em toda a aldeia, ao mesmo tempo que se dirigiam para a Igreja onde o Senhor Padre António se encontrava, tentando acalmar os seus paroquianos.
Todos nós lá de casa fizemos o mesmo, largando tudo. Só o Manuel Pionas ficou mais algum tempo para enfornar o pão que estava na masseira, tapar o forno e fechar todas as portas e janelas de casa. Só depois disso, foi ter connosco à Igreja.
As pessoas vinham munidas de lampiões que à pressa tinham conseguido pegar. Mas não foi necessário acendê-los, porque do céu emanavam clarões de luz dum brilho sanguinolento. As pessoas corriam desesperadamente, atropelando-se, escorregando aqui e ali sem pensar nas consequências funestas que poderiam advir dessa correria desenfreada.
Uma senhora, já de certa idade, que corria e gritava ao meu lado, levando pela mão uma netinha mais ou menos da minha idade, escorregou na calçada, caiu desamparadamente e partiu um pé. Mesmo assim cheia de dores só parou na Igreja junto da multidão enorme que ali se aglomerava.
Os gritos aflitivos daquela boa gente enchiam a Igreja e faziam-se ouvir por toda a freguesia: É o fim do Mundo; é a guerra, acudam… O bom do Sr. Padre António tentava acalmar os seus paroquianos, explicando que o fenómeno que se estava observando, não era mais do que uma Aurora Boreal, fenómeno que era visto muitas vezes nas regiões do norte do Globo. Ao mesmo tempo ia rezando com eles.
Esta situação aflitiva durou algumas horas até que a luz do dia ofuscou a luz que tinha incendiado o céu durante a noite longa. Depois do dia amanhecer e com as sábias palavras do Sr. Padre, o bom povo da minha aldeia, acalmou e voltou em paz para suas casas.
No entanto aquela visão dantesca perdurou por muito tempo, talvez por toda a vida, na memória daquela boa gente, assim como perdurou na minha até hoje. E já se passaram oitenta anos!…Eu tinha nessa altura quatro anos e nove meses. E essa imagem foi tão forte que consigo descrever tudo o que presenciei e reproduzir textualmente o que ouvi.
No dia seguinte àquele acontecimento, o jornal diário que meu Pai assinava, trazia noticiado o fenómeno observado em todo o céu de Portugal e de outros países. Claro que eu não li a notícia, mas ouvi meu pai lê-la e comentá-la, tentando explicar, da melhor maneira que sabia, as causas daquele “Belo Horrível”.”
É possível encontrar outros relatos semelhantes do fenómeno, com o povo a acreditar que se tratava de um sinal do fim do mundo, e a refugiar-se nas igrejas, assustado. Aliás, este fenómeno tem vindo a ser associado às Aparições de Fátima, tomando-se esta aurora boreal como um sinal para o começo da Segunda Guerra Mundial, por não se ter cumprido o que tinha sido pedido aquando estas aparições.
Mas, longe do domínio espiritual, podemos tentar compreender este fenómeno raro nas nossas latitudes. Sabemos que, em condições normais, estes fenómenos se formam nos polos do nosso planeta (tanto Norte como Sul), e que se formam a partir do contacto entre a magnetosfera do planeta com partículas solares carregadas.
Uma vez que a nossa magnetosfera segue um certo padrão, as partículas “fluem” para certos locais (neste caso, os polos), e é por isso que as auroras (boreais, no Norte, ou austrais, no Sul) são comuns nos polos.
Mas e fora destes locais? Apesar de ser algo raro, é possível que a quantidade de partículas torne possível este fenómeno noutros locais do planeta, havendo relatos de tal acontecimento em diferentes países. Quanto ao nosso país, esta não foi a única ocasião em que se pôde observar uma aurora boreal. Ao longo do século XIX, temos documentados 13 relatos, entre 8 de fevereiro de 1817 e 7 de julho de 1872.
Quanto aos registos no séc. XX, existem 2 registos de tal acontecimento (a 25 de janeiro de 1938 e a 21 de janeiro de 1957. Portanto, se sempre sonhou em ver uma aurora boreal, mas não tem possibilidade de visitar um dos países em que é frequente, não desespere: pode ser que tenha a sorte de presenciar este fenómeno no nosso país, por muito raro que isto seja!