Quando começamos a nossa alfabetização, somos desde logo apresentados ao alfabeto da língua portuguesa, começando normalmente pelo estudo das vogais e partindo para as consoantes. É apenas o início de um longo processo que nos conduzirá à possibilidade de aprender a ler e, com isso, descobrir todo o mundo que nos rodeia e olhá-lo de forma diferente.
É ao longo deste processo que aprendemos que o alfabeto da língua portuguesa tem 26 letras, e que por vezes não existe grande diferença fonética entre elas. Afinal, quem nunca ficou com dúvidas se determinada palavra se escreveria com S, SS ou C?
Mas, se pensarmos bem, outra dúvida nos surge: afinal, porque é que o cê-cedilha não faz parte do nosso alfabeto? A resposta é algo simples, mas acaba por mexer com questões complicadas. Para isso, é preciso entender um pouco de gramática, de questões históricas e de como funciona a evolução da língua portuguesa.
Afinal, o cê-cedilha não é uma letra, mas uma junção da letra c com o sinal diacrítico cedilha. Portanto, o Ç não aparece no nosso alfabeto pela mesma razão que não aparecem coisas como o Ã: não se tratam de letras.
Os sinais diacríticos na nossa língua são a cedilha, os acentos gráficos, o til e, até há pouco tempo, o agora extinto trema. O papel destes sinais é alterar a pronúncia geralmente atribuída às letras, dando-lhes um novo valor fonético.
Isto acontece porque não existe uma correspondência exata entre os sons que fazemos (fonemas) e as letras que usamos para codificar esses sons. Por exemplo, as vogais são sete no mundo dos sons, e apenas cinco no das letras (o E e o O correspondem cada um a dois fonemas, um aberto e um fechado).
Assim, quando um C recebe uma cedilha, deixa de ser lido como sendo o som /c/ e passa a ser lido como sendo o som /s/. Portanto, um sinal diacrítico nada mais é que uma representação fonética. Os sinais diacríticos do português são a cedilha, os acentos gráficos, o til e, até pouco tempo atrás, o hoje extinto trema.
Quanto à cedilha em si, foi vista pela primeira vez no espanhol, no século XI. Curiosamente, esta língua já não usa mais este sinal diacrítico. A palavra vem provavelmente de zedilla (diminutivo do zê), até porque a cedilha era um zê pequeno. Essa zedilla era colocada sobre um c, representando assim o som de /s/. Hoje, apenas o português, francês e catalão usam esse sinal.
E já agora, porque razão não se usa cê-cedilha no início de uma palavra? A verdade é que, até ao século XV ou XVI, era comum o seu uso nesses casos. Assim, em vez de se escreverem coisas como “sapato sujo”, poder-se-ia escrever (e escrevia-se) “çapato çujo”, o que nos parece, no mínimo, estranho aos nossos olhos.
Com o tempo, convencionou-se que nenhuma palavra da nossa língua deveria começar com a cedilha, até porque este é apenas um sinal, e não uma letra. É por isso que hoje não a usamos no início de uma palavra.
Não deixa de ser interessante que a distinção fonética subtil que levou à adoção do ç no português antigo se tenha perdido ao longo da história. O certo é que, no português moderno, o S ou SS (entre as vogais) ou o C ou Ç (antes de E ou I) representam um só fonema.
Portanto, agora já sabe mais sobre um pouco da história da língua portuguesa e sobre o porquê de o Ç não fazer parte do nosso alfabeto.