A música tem o condão de nos conseguir marcar e mobilizar para grandes causas. Em Portugal, foram vários os momentos em que, associadas a acontecimentos históricos, várias músicas acabaram por ganhar elas próprias um lugar na história do país e no imaginário colectivo dos portugueses. E não pense que a Grândola Vila Morena, associada à Revolução dos Cravos, é o único exemplo.
No tempo da ditadura, foram várias as músicas que conseguiram furar a censura e transmitir uma mensagem de luta contra o regime, muito graças à imaginação prodigiosa de quem as escreveu.
Uma das mais marcantes é, sem dúvida, a Tourada, cantada por Fernando Tordo e com letra de Ary dos Santos. Descubra algumas das músicas que entraram para a história de Portugal.
1. Pedra Filosofal (1969) de Manuel Freire
Um centro disseminador dos novos cantautores nacionais nos anos anteriores ao 25 de abril foi o Zip Zip, programa televisivo da RTP com autoria de Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado. Foi neste programa que o país viu pela primeira vez o poema de António Gedeão, musicado por Manuel Freire.
A sua retórica do “eles não sabem nem sonham” não deixava dúvidas sobre para quem se dirigia esta canção: um regime que amordaçava os criadores artísticos, e um povo triste e pobre, que não podia sonhar.
A canção alcançou rapidamente o estatuto de hino à liberdade, e o seu estilo acabou por ser copiado até à exaustão.
Nesse mesmo Zip Zip, Raul Solnado acabou por criar uma personagem humorística, que satirizava a proliferação de cantautores à guitarra que se registava nessa época.
2. Grândola, Vila Morena (1971) de Zeca Afonso
Esta é uma canção composta e cantada por Zeca Afonso, que acabou por ser escolhida pelo Movimento das Forças Armadas como segunda senha de sinalização da Revolução dos Cravos.
José Afonso escreveu a primeira versão deste poema depois de ter sido convidado a participar nos festejos do 52º aniversário da coletividade Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, tendo ficado impressionado com o ambiente solidário desta Sociedade alentejana.
À meia-noite e vinte minutos do dia 25 de abril de 1974, a sua canção foi transmitida através da Rádio Renascença, no programa independente Limite, como um sinal que confirmava o início da revolução. Graças a isso, acabou por se tornar um símbolo do 25 de abril, bem como do início da democracia em Portugal.
3. Tourada (1973) de Fernando Tordo
Foi a polémica vencedora do Festival da Canção de 1973, e foi interpretada como um protesto inteligente contra um regime que na altura se pressentia que não iria durar muito.
Ary dos Santos, militante do PCP, era já um grande nome da cena cultural nacional, mas com esta música, começa a revelar o seu aguçado sentido crítico, que o viria a tornar, já depois da Revolução dos Cravos, um dos expoentes máximos do engajamento político do PREC.
Ary encontrou em Fernando Tordo o contraponto perfeito para a sua veia poética, com os dois a comporem dezenas de obras, nem todas de cariz político. Esta analogia à festa taurina traz consigo uma subliminar mensagem de ataque, não só ao regime, mas também a uma elite corporativa eternamente beneficiada.
4. E depois do Adeus (1974) de Paulo de Carvalho
Esta canção, com letra de José Niza e música de José Calvário, foi interpretada por Paulo de Carvalho na 12ª edição do Festival RTP da Canção, da qual saiu vencedora. A canção serviu também de primeira senha à revolução do 25 de abril de 1974.
Com a emissão desta música pelos Emissores Associados de Lisboa, às 22h55 do dia 24, foi dada a ordem para as tropas se prepararem e estarem a postos para o golpe militar.
A música foi escolhida por não ter conteúdo político e por ser bastante popular na altura, o que não levantaria suspeitas e permitiria aos líderes do MFA cancelar o golpe militar, caso concluíssem que não havia condições para a sua realização.
A posterior radiodifusão da música Grândola, Vila Morena na Rádio Renascença, emissora católica, dava aos militares o sinal de que não havia volta a dar e a revolução devia avançar.
5. Parva que Sou (2011) dos Deolinda
Hoje, os Deolinda são um nome incontornável na canção de protesto nacional, graças às suas letras inteligentes, que são construídas com ironia e humor, e que criticam diversos aspetos da vivência em sociedade.
Foi estreada em 2011, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, e serviu de mote a gigantescas manifestações que viriam a ocorrer em Portugal, impulsionadas pela plateia que tratou de a propagar nas redes sociais.
Esta música é cantada na primeira pessoa e fala-nos do desencanto que atravessa uma geração bem qualificada, mas que não consegue encontrar as oportunidades que procura, num país que a cada dia é mais desigual e injusto.