A imponente Torre de Centum Cellas, localizada nas proximidades de Belmonte, tem sido um dos monumentos mais misteriosos e enigmáticos de Portugal, desafiando a nossa compreensão histórica e despertando uma curiosidade incessante. A sua grandiosidade singular torna-a um tesouro arquitetónico inigualável na Península Ibérica.
Com uma forma paralelepípeda, com pedras perfeitamente aparelhadas, ergue-se majestosa, desafiando os limites do tempo. Ao longo dos anos, surgiram várias teorias sobre a sua origem, desde conexões com os Incas até especulações sobre a presença dos judeus sefarditas. No entanto, foi a incansável pesquisa de Helena Frade que trouxe à luz a verdadeira natureza romana desta magnífica estrutura.
Construída em granito, a Torre de Centum Cellas exibe uma secção retangular de 11,5 metros por 8,5 metros e alcança uma impressionante altura de 12 metros. Atualmente, desprovida da sua cobertura original, exibe orgulhosamente as suas paredes nuas ao tempo.
Ao explorar o interior, deparamo-nos com vãos que provavelmente eram portas no piso térreo, bem como enigmáticas aberturas retangulares cujo propósito permanece um enigma intrigante. Descartando a possibilidade de ser uma mansio (uma estação de troca de cavalos), um praetorium (centro de comando de um acampamento militar romano) ou um mutatio (um local de hospedagem), os estudiosos concluíram que a sua verdadeira função era algo muito mais significativo.
A Torre de Centum Cellas, ou “Cento Celas”, como é mencionada em documentos do século XII, sugerindo a presença de outras estruturas adjacentes, pode ter sido uma peça central de uma grandiosa villa romana, albergando um majestoso pátio central.
Acredita-se que tenha sido construída no século I d.C. por um próspero comerciante de estanho chamado Lucius Caecelius, cujo nome ressoa curiosamente com “Centum Cellas”.
A área escavada revelou a presença da residência principal da villa, bem como despensas e armazéns. Perdidas no tempo, supõe-se que existiram termas e alojamentos para escravos, provavelmente sacrificados devido à expansão da estrada ou ao cultivo de vinhas vizinhas.
Ao explorar cuidadosamente os vestígios remanescentes, encontramos uma sala com abside e um larário, um local de veneração dos deuses protetores do lar. Na torre, o piso térreo era utilizado para armazenamento, enquanto o andar superior revela uma sala única, cercada por uma varanda coberta de madeira e telhas, sustentada por colunas da ordem toscana.
O telhado de duas águas, adornado por frontões triangulares em dois dos lados, conferia à torre um aspeto monumental e uma beleza arrebatadora. Durante o período romano, acredita-se que a torre tenha servido como um salão nobre ou até mesmo como uma torre de vigia, vigilante diante das ameaças do mundo exterior.
Embora tenha sido aventada a hipótese de a torre estar ligada a um espaço sagrado, devido à sua orientação peculiar e aos seus cantos apontando para os pontos cardeais, tal suposição carece de plausibilidade e embasamento histórico.
A villa foi palco de um incêndio no século III d.C., o que possivelmente resultou em modificações nas partes menos resistentes da estrutura. Na Alta Idade Média, a torre foi reaproveitada e estendida, ganhando um terceiro piso.
Acredita-se que, durante o período medieval, a Torre de Centum Cellas desempenhou um papel fundamental na consolidação e defesa da fronteira oriental de Portugal contra o Reino de Leão. Tamanha era a sua importância estratégica que recebeu o foral de D. Sancho I em 1188, sendo então conhecida como Centuncelli.
No entanto, posteriormente, em 1198, a sede do concelho foi transferida para Belmonte, embora o legado da torre tenha permanecido intacto, imortalizado nas páginas da história.
Repleta de lendas e mistérios, a Torre de Centum Cellas tem sido envolta em narrativas fascinantes ao longo dos séculos. Segundo uma dessas lendas, a torre teria sido utilizada como prisão para São Cornélio, que ali teria falecido em 253 d.C. O nome do local, então, seria uma referência às cem celas que existiam no seu interior.
Essa narrativa sagrada inspirou a cristianização da torre durante a Idade Média, culminando na construção de uma pequena capela dedicada a São Cornélio, cujas fundações ainda podem ser observadas até os dias de hoje.
Outra lenda associa a Torre de Centum Cellas à figura de uma mulher carregando um filho às costas, e especula-se sobre a existência de um bezerro de ouro escondido em algum lugar oculto da torre.
Independentemente de acreditarmos nessas lendas ou não, a verdade é que a Torre de Centum Cellas merece uma visita demorada, permitindo-nos contemplar a sua estrutura singular e apreciar a magnífica paisagem que a envolve.
É um convite irrecusável para embarcar numa jornada através dos séculos, desvendando as camadas do passado e admirando a atemporal beleza dessa joia arquitetónica que persiste em manter os seus segredos ocultos.