Nem toda a gente o sabe, mas existe um rio que corre por baixo da cidade do Porto. Trata-se do rio da Vila, curso de água que nasceu da junção de dois mananciais, e que desagua no rio Douro, perto da praça da Ribeira. Ao longo de séculos, foi um ponto de abastecimento para os habitantes da cidade, embora fosse também um foco de poluição e doenças.
Graças ao desenvolvimento urbano, o rio foi encanado, e acabou por ficar totalmente no subsolo da cidade, esquecido e invisível aos olhos de quem por ele passa.
Felizmente, isso está prestes a mudar, e está em construção um projeto que vai tornar este rio visitável, fazendo-se um museu subterrâneo com um percurso de 350 metros sobre o leito de água, que passa por diversas abóbadas e galerias de pedra, que datam desde a época romana até aos nossos dias. Este museu terá entrada na Estação de São Bento e fará parte do eixo líquido e do eixo sonoro do Museu da Cidade do Porto.
Como dissemos, o rio da Vila formava-se com a junção de dois mananciais. Um deles nascia na zona da atual Praça do Marquês de Pombal, descia pela atual Avenida dos Aliados, e passava pela atual Praça da Liberdade, alimentando campos e hortas ao longo do seu caminho.
O outro originava-se nas elevações da Fontinha, descia ao longo do atual Mercado do Bolhão (onde as águas de um pequeno ribeiro se lhe juntavam), e descia o que na atualidade é a Rua de Sá da Bandeira.
Os dois cursos de água juntavam-se no sítio onde hoje está a Praça Almeida Garrett, frente à Estação de São Bento. Este é um rio antigo, aparecendo já num documento de doação do burgo portucalense ao Bispo D. Hugo, em 1120, assinado por D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques. Neste documento, era chamado de Canallem maiorum, por contraponto ao “canal menor”, que seria o rio Frio, situado mais a poente.
O rio da Vila acabou por se tornar num dos principais cursos de água da cidade do Porto, tendo desempenhado diversas funções ao longo do tempo. Assim, o rio foi uma fonte de abastecimento de água potável para fontes e chafarizes da cidade; foi um meio de transporte de mercadorias e pessoas entre a zona alta e ribeirinha; foi um elemento paisagístico e lúdico; foi fator de desenvolvimento económico e social, favorecendo atividades como a pesca, a agricultura e a indústria: e, por fim, foi até um símbolo identitário e cultural, inspirando lendas, tradições e manifestações artísticas.
No entanto, este rio também trouxe desafios à cidade. Para começar, era uma fonte de poluição e de doenças, porque recebia esgotos domésticos e industriais, bem como animais mortos. Depois, com o desenvolvimento urbano, acabou por se tornar um obstáculo à circulação e à expansão, exigindo a construção de pontes, viadutos e túneis.
Por fim, o rio da Vila era também um fator de risco, provocando inundações, deslizamentos e erosão das margens e do leito. De forma a contornar estes problemas, o rio foi encanado e acabou por ficar no subsolo, perdendo a sua relação com os habitantes.
Foram várias as intervenções que contribuíram para o encanamento do rio. Em 1336, D Afonso IV inicia a construção de novas muralhas na cidade, que se prolongam até ao reinado de D. Fernando, altura em que se encanaram os ribeiros que se juntavam no largo junto ao antigo Convento de São Bento da Avé-Maria.
Em 1736, a parte deste rio que estava próxima da Ribeira foi coberta, devido à construção da Rua de São João, e em 1875, com a abertura da Rua Mouzinho da Silveira, encanou-se a parte que estava ainda a descoberto.
Por fim, com a construção da Avenida dos Aliados e com outras obras posteriores, na segunda década do século XX, os mananciais do rio da Vila foram também condenados ao subsolo.
A intervenção que decorre no rio da Vila vai-lhe permitir renascer enquanto museu subterrâneo, permitindo que os visitantes descubram este património histórico oculto. Prevê-se a criação de um percurso museológico com 350 metros sobre o leito da água; a instalação de um espaço expositivo na galeria; a abertura de uma entrada na Estação de São Bento, que terá uma receção, uma bilheteira e uma loja; e a integração do espaço no eixo líquido e no eixo sonoro do Museu da Cidade do Porto, criando-se uma rede de estações temáticas sobre a água e o som na cidade.
Por outro lado, o projeto prevê a salvaguarda deste património, tendo em conta a interferência das obras da futura Linha Rosa do Metro do Porto. Dessa forma, acordou-se um Plano de Salvaguarda do Património Cultural, assim como medidas de Compensação do Património Cultural.
Assim, o rio da Vila vai acabar por se tornar num equipamento cultural inovador e muito atrativo, que irá ajudar a valorizar ainda mais este património oculto e contribuirá para uma maior dinamização cultural e turística da cidade do Porto.