Quando pensamos na cultura japonesa, talvez não nos ocorra imediatamente a sua ligação com Portugal. No entanto, há mais de 400 anos que os dois países mantêm relações comerciais, religiosas e culturais que deixaram marcas profundas na sociedade nipónica. Desde a chegada dos primeiros portugueses à ilha de Tanegashima em 1543, até à expulsão dos missionários jesuítas e ao isolamento do Japão no século XVII, os portugueses influenciaram vários aspetos da vida, da arte, da língua e da gastronomia japonesas.
Uma das principais áreas de influência portuguesa no Japão foi a religiosa. Os portugueses foram os primeiros a trazer o cristianismo para o país, através dos missionários jesuítas liderados por São Francisco Xavier, que chegou ao Japão em 1549.
Os jesuítas conseguiram converter milhares de japoneses ao catolicismo, especialmente nas regiões de Kyushu e Nagasaki, onde obtiveram o apoio de alguns senhores feudais (daimyos) que viam na nova fé uma forma de resistir ao poder central do xogunato. No entanto, o cristianismo também enfrentou forte oposição de outros daimyos e de grupos budistas e xintoístas, que viam na religião estrangeira uma ameaça à sua identidade e soberania.
A perseguição aos cristãos intensificou-se no final do século XVI e início do século XVII, culminando com a proibição do cristianismo em 1614 e com a execução de milhares de mártires, entre eles os 26 santos do Japão que foram crucificados em Nagasaki em 1597. Apesar da repressão, muitos cristãos japoneses mantiveram a sua fé em segredo, formando as comunidades dos kakure kirishitan (cristãos ocultos) que sobreviveram durante séculos sem contacto com o exterior. Alguns desses cristãos ocultos foram redescobertos no século XIX, quando o Japão voltou a abrir-se ao mundo e à liberdade religiosa.
Outra área de influência portuguesa no Japão foi a política. Os portugueses foram os primeiros europeus a estabelecerem contacto com o Japão e a iniciarem o comércio entre os dois países. Os portugueses traziam consigo produtos exóticos como seda, especiarias, açúcar, vidro, relógios e armas de fogo (teppo), que despertaram o interesse e a curiosidade dos japoneses.
Os teppo foram especialmente importantes para a história política do Japão, pois contribuíram para a unificação do país sob o comando de Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi, dois dos mais famosos daimyos da época. Os portugueses também serviram de intermediários entre o Japão e outros países asiáticos, como a China e as Índias Orientais, facilitando o intercâmbio comercial e cultural.
No entanto, a presença portuguesa no Japão também gerou conflitos e rivalidades com outras potências europeias, como a Espanha e a Holanda, que disputavam o controlo do comércio na região. O xogunato Tokugawa, que se estabeleceu em 1603 como o governo central do Japão, adotou uma política de isolamento (sakoku) que limitava severamente as relações comerciais e diplomáticas com o exterior. Os portugueses foram expulsos definitivamente do Japão em 1639.
Além da influência religiosa e política, os portugueses também deixaram a sua marca na cultura japonesa, em áreas como a língua, a arte, a música e a gastronomia. Muitas palavras japonesas têm origem portuguesa, como bateren (padre), botan (botão), tempura (tempero) ou pan (pão). Algumas dessas palavras foram depois incorporadas na língua portuguesa, como biombo (byobu), catana (katana) ou caqui (kaki).
Os portugueses também introduziram no Japão novas formas de expressão artística, como a pintura a óleo, o órgão, o teatro e a literatura. Os jesuítas traduziram obras clássicas da literatura ocidental para o japonês, como as fábulas de Esopo ou as cartas de Séneca.
Os japoneses também criaram obras originais inspiradas na cultura portuguesa, como os namban byobu (biombos namban), que retratavam cenas da vida dos portugueses no Japão, ou os nanban bungaku (literatura namban), que refletiam sobre as diferenças culturais e religiosas entre os dois povos.
A música também foi uma área de intercâmbio cultural entre Portugal e Japão. Os jesuítas ensinaram aos japoneses o canto gregoriano e a música polifónica, bem como o uso de instrumentos musicais como o órgão, o violino e a flauta. Os japoneses adaptaram esses instrumentos e estilos musicais à sua própria tradição, criando géneros como o kirishitan ongaku (música cristã) ou o nanban ongaku (música namban).
A gastronomia foi outra área de influência portuguesa no Japão. Os portugueses introduziram no Japão alimentos como o açúcar, o pão, o trigo, a batata-doce e a fritura em óleo. Alguns desses alimentos deram origem a pratos típicos da culinária japonesa, como o tempura, o kastera (pão-de-ló), o konpeito (confeito) ou o keiran somen (fios de ovos).
Os portugueses também influenciaram os hábitos alimentares dos japoneses, quebrando o tabu budista de comer carne e introduzindo pratos como o aji no namban zuke (carapaus alimados) ou o chiken namban (frango namban).
Finalmente, a influência portuguesa no Japão também se fez sentir na área económica. Os portugueses foram os primeiros a abrir o comércio entre o Japão e o resto do mundo, trazendo consigo produtos valiosos como a seda, as especiarias, o açúcar e o ouro.
Os portugueses também serviram de intermediários entre o Japão e outros países asiáticos, como a China e as Índias Orientais, facilitando o intercâmbio de mercadorias e de conhecimentos.
O comércio português no Japão foi muito lucrativo para ambas as partes, gerando riqueza e prosperidade. O porto de Nagasaki tornou-se o principal centro comercial do país, onde os portugueses tinham privilégios especiais e uma ilha exclusiva para si, chamada de Dejima.
O comércio português no Japão também teve um impacto social e cultural, pois permitiu a circulação de pessoas, ideias e costumes entre os dois países. Muitos portugueses casaram-se com japonesas e tiveram filhos mestiços, que ficaram conhecidos como namban-jin (pessoas namban) ou kirisuto-kei (descendentes de cristãos).
Alguns desses mestiços tornaram-se figuras importantes na história do Japão, como William Adams, o primeiro inglês a chegar ao Japão em 1600, que se tornou um conselheiro do xogum Tokugawa Ieyasu e recebeu o nome japonês de Miura Anjin; ou João Rodrigues, um jesuíta português que se tornou um intérprete e diplomata do xogum Tokugawa Iemitsu e recebeu o nome japonês de Tçuzu.
O comércio português no Japão durou cerca de um século, até que foi proibido pelo xogunato Tokugawa em 1639, como parte da política de isolamento do país. Os portugueses foram expulsos do Japão e os seus bens foram confiscados.
Apenas os holandeses foram autorizados a continuar o comércio com o Japão, mas sob condições muito restritas. O Japão só voltou a abrir-se ao comércio internacional no século XIX, após a chegada dos navios americanos do comodoro Matthew Perry em 1853.