Em 1881, chegou uma expedição científica à Serra da Estrela, que pretendia explorar as diversas lendas e fenómenos da região. Nesses tempos, a povoação estava longe de imaginar que as histórias que os seus avós lhes contaram não eram verdadeiros, e, portanto, os locais mais recônditos da serra tinham lendas associadas, que passaram de geração em geração.
Grande parte destas lendas estavam relacionadas com as diversas lagoas da serra, formadas durante o período glaciário. Predominavam as teorias sobre lagoas sem fundo, redemoinhos de água e a ideia de que muitos destes locais tinham ligação direta ao oceano, tal era a quantidade de água que albergavam por vezes.
Mas, entre estas lendas, destaca-se a de uma lagoa, com muitas histórias associadas, e que causava um certo medo entre os habitantes, especialmente por entre os pastores, que deambulavam com o gado por aqueles lados.
A Lagoa escura, pela sua cor, tinha uma certa aura mística. Percebeu-se mais tarde que a cor se deve à sua profundidade e às rochas graníticas do fundo e das margens. Isso não impediu que, entre a população, surgissem relatos de que na lagoa apareciam destroços de um navio que aí tinha sido encontrado.
Quando os membros da expedição científica começaram a fazer perguntas, foi-lhes dito que este barco foi mandado construir por um homem rico da região, que mandou construir o barco para navegar a lagoa. Os seus destroços poderiam ser vistos em dias de tempestade.
Este relato acabou por chegar à corte no século XVI, altura em que o infante D. Luís, filho de D. Manuel, foi visitar a lagoa, e mandou um pescador mergulhar, para se verificar de onde vinham as tábuas dos navios que supostamente apareciam no local.
Não existem relatos fidedignos sobre aquilo que o pobre pescador poderá ter encontrado a mando do infante nem sequer se sabe se terá regressado vivo do fundo da lagoa.
Mas esta não é a única lenda associada à Lagoa Escura. Os habitantes acreditavam que esta lagoa não tinha fundo e escondia grandes tesouros. Diziam também que, em períodos de seca, ninguém podia entrar na lagoa, porque corria o risco de lá desaparecer.
Segundo a tradição popular, até o gado a evitava, pelo seu instinto natural. Esta última lenda pode ser explicada pela grande quantidade de lama que existe no fundo e nas margens da lagoa. Em tempos de seca, a lama podia prender os mais desprevenidos, criando um efeito de sucção.
A Lagoa Escura era também a nossa versão do Lago Ness, porque, nas suas profundidades, dizia-se que vivia um ser monstruoso. Chamava-se “Monstro Chavelhudo” e dizia-se que arrastava para o fundo quem se atrevesse a banhar-se naquelas águas. As histórias sobre esta figura são passadas de boca em boca há séculos.
O relato correu o mundo e chegou aos ouvidos de Herman Melville, que no seu popular livro de 1851, Moby Dick, faz referência à Lagoa Escura: “Na ‘Montanha do Strello’, no interior em Portugal, perto do topo, dizia-se que havia um lago em que os naufrágios dos navios flutuavam até à superfície.”
Acredite-se ou não nas lendas, a verdade é que a paisagem que envolve a Lagoa Escura e, mais abaixo, a Lagoa Comprida, é de tirar o fôlego e merece uma visita com tempo, para melhor conseguir apreciar estas e outras maravilhas naturais da Serra da Estrela.
E, se existem histórias associadas aos locais, ainda melhor, porque são estas lendas que nos ajudam a conhecer melhor a história da região e ajudam a manter viva a imaginação de um povo que nunca se vergou perante as adversidades da vida.
As lendas fazem parte da história popular e da cultura de cada região. Muitas delas possuem algum fundo de verdade e outras são apenas resultado de imaginação ou superstições.
No caso das lendas da Lagoa Escura, na Serra da Estrela, é óbvio que existe muita imaginação na sua origem. No entanto, os relatos do aparecimento de pedaços de tábuas semelhantes às de um navio parecem ter algum fundo de verdade. Tratar-se-ia de um simples barco mandado construir por diversão.