Bem no centro da lezíria Ribatejana, vamos encontrar Valada, uma freguesia do município do Cartaxo. Na sua proximidade, vai encontrar as aldeias avieiras de Porto da Palha, Palhota e Escaroupim, esta última já na margem oposta, estando ligada às aldeias anteriores pela ponte Rainha Dona Amélia. Estas localidades são locais onde se respiram história, tendo sido local de pouso dos avieiros, os chamados “nómadas do rio”.
Grande parte deles vieram da Vieira de Leiria, sendo pescadores de arte xávega que fugiam dos rigores do inverno, primeiro de modo temporário e, com o tempo, de uma forma mais permanente.
Ao início, e até se conseguirem fixar nas margens do Tejo, os avieiros tiveram de enfrentar a animosidade da população local, e viram-se obrigados a viver nas suas embarcações. Estas eram chamadas de bateiras e eram o local onde guardavam tudo, desde os seus haveres aos utensílios que iam usar na pesca. Era também o sítio onde comiam, viviam e criavam os seus filhos.
Na proa do barco, colocava-se um toldo, que atravessava a embarcação e servia de abrigo contra as tempestades. Era também por baixo dele que toda a família dormia. Na zona central da bateira, colocava-se areia, para se poder fazer uma fogueira e cozinhar, e, na ré, era a “oficina” da pesca, onde se guardavam as redes.
Quando chegava o verão, regressavam às suas praias e ao mar, e por lá se mantinham até ao próximo inverno, ou enquanto o mar o permitisse. Esta deslocação era cansativa e pesava muito na situação financeira familiar, o que forçou muitos avieiros a ficar, tendo estes acabado por se fixar nas margens do Tejo de uma forma progressiva, já que este, na altura, lhes proporcionava pesca durante o ano inteiro.
Com esta fixação, surge a necessidade de ter um lar estável, que fosse resistente e confortável. Assim, começaram a construir pequenas barracas, construídas em caniço e que eram sustentadas por estacas de madeira. Com o tempo, o caniço foi sendo substituído por tábuas, mais tarde pintadas, geralmente com a mesma cor das embarcações.
Originalmente, estas primeiras habitações eram semelhantes aos palheiros da praia da Vieira mas, mais tarde, devido à subida das águas do Tejo em tempos de cheia, passaram a ser construções palafíticas, que se elevavam acima do solo graças à estacaria de madeira ou pilares em pedra.
Quanto à família avieira, esta tem como base o casal de pescadores, homem e mulher, sendo que a faina assenta também neles. O homem encontrava-se ligado ao fabrico, manutenção e reparação da bateira, assim como das alfaias usadas na pesca e as restantes tarefas relacionadas com a faina. A pesca era feita de noite, de modo a que o peixe chegasse fresco aos clientes, logo pela manhã.
O Arrais (homem) lançava normalmente a rede, e a Camarada (mulher) remava o barco aquando do lançamento da rede, que era depois recolhida para dentro do barco pelos dois, puxando as cordas que lhe estão ligadas, de modo a fazer um “saco”.
A mulher sempre teve um papel muito importante numa família avieira, porque, para além de ser mãe, esposa e Camarada durante a faina, era ela quem tomava conta e orientava a economia monetária e doméstica da família. Eram também as mulheres que normalmente vendiam o peixe logo pela manhã.
Os avieiros eram pessoas reservadas, que tinham uma forma de vida e cultura muito próprias. A sua cultura assentava principalmente em quatro aspetos: a arte da pesca, as embarcações, a construção das habitações e a gastronomia.
Apesar de, em tempos, existirem inúmeras comunidades avieiras, hoje restam pouco mais de uma dezena. Devido à poluição ambiental, o Tejo foi perdendo a sua fertilidade piscatória e, portanto, a partir da década de 50 do século passado, os avieiros viram-se obrigados a procurar outro tipo de sustento.
Apesar disso, subsiste ainda um muito importante ponto da sua cultura: a sua padroeira, com o nome de Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo. Na sua imagem, surgem representadas a bateira, o Arrais e a Camarada, que olham para Nossa Senhora num gesto de súplica, pedindo ajuda.
Por forma a levar esta imagem a todas as comunidades ribeirinhas e avieiras do Tejo, construiu-se um cruzeiro fluvial que as ligasse a todas. Nele, a comunidade avieira transporta a imagem da Santa padroeira numa embarcação tradicional, percorrendo praticamente todo o Tejo nacional, numa extensão de aproximadamente 280 km.
1. Porto da Palha
Para conhecer melhor a cultura avieira, deverá visitar com calma as aldeias do Porto da Palha, Palheiros e Escaroupim. Porto da Palha teve a sua origem na década de 50, sendo possivelmente a aldeia avieira mais nova. O seu nome deve-se ao facto de ser aqui que se descarregava a palha, que era depois transportada para Lisboa e para as quintas da região.
A aldeia estende-se paralelamente ao rio e tem uma rua principal, com as casas a situarem-se de ambos os lados dessa rua. A arquitetura bastante conhecida nas aldeias avieiras mais antigas não é tão notória por aqui, até porque, para se erguerem as edificações, se recorreram a materiais mais modernos, como a alvenaria.
2. Palhota
Seguindo viagem, vai encontrar a aldeia de Palhota, a pouco mais de 6 km da aldeia de Porto da Palha. Esta aldeia manteve grande parte da sua traça original e não mudou muito desde o seu início.
Muitos dos seus habitantes já partiram, mas o local continua a ser usado por alguns residentes de fim-de-semana. Aqui ainda poderá encontrar as tradicionais casas de cores vivas, que eram quase sempre pintadas com as cores das embarcações.
Terá sido em Palhota que Alves Redol viveu durante algum tempo, recolhendo o material necessário para o livro que escreveu sobre esta gente, de seu nome “Avieiros”, editado em 1942.
3. Escaroupim
Por fim, não deixe de visitar Escaroupim, aldeia avieira que se renovou e se tem mantido ativa até aos dias de hoje, muito graças ao turismo, apesar da traça original das construções se ter perdido quase por completo. Na localidade, irá encontrar um núcleo museológico sobre a Casa Típica Avieira, que recria o interior de uma casa tradicional.
Poderá também visitar o museu “Escaroupim e o Rio”, que se encontra instalado na antiga escola primária. Na aldeia mantém-se o uso do cais palafítico, embora um pouco mais atualizado, e é a partir dele que se realizam passeios no rio, com duração de cerca de duas horas.
A aldeia encontra-se na margem esquerda do Tejo, numa zona onde existem ilhéus no centro do rio. Ao longo do passeio de barco, poderá ver diversos desses locais. Um desses ilhéus tem sido local de refúgio, de nidificação e habitat de uma grande variedade de aves, sendo conhecida por Ilha das Garças.
Poderá ver também a Ilha dos Amores, que se encontra mais a montante em relação às outras e que é também o ilhéu mais pequeno. Diz-se que o seu nome vem do facto de a noite de núpcias do casal avieiro ser passada nesta ilha.
Mais próxima da margem oposta, vai encontrar a Ilha dos Cavalos, a maior de todas e onde é frequente ver os cavalos da Coudelaria Nacional a pastar. Aqui os cavalos andam em completa liberdade, sendo vigiados apenas por um tratador, que os visita periodicamente.