Durante séculos, Lisboa enfrentou um problema estrutural: a escassez de água potável. Apesar da proximidade ao Tejo, a água do rio não era adequada para consumo, obrigando a população a recorrer a poços, fontes e cisternas.
No século XVIII, com a cidade em crescimento acelerado, agravou-se a necessidade de uma solução duradoura e eficaz. Foi neste contexto que D. João V lançou uma das obras públicas mais ambiciosas da história portuguesa: o Aqueduto das Águas Livres.
Inspirado na engenharia romana e no Tratado de Vitrúvio, o aqueduto foi concebido para transportar, por gravidade, a água das nascentes da região de Belas até Lisboa. A construção iniciou-se em 1731 e prolongou-se até 1799, envolvendo engenheiros e arquitetos de renome, como Manuel da Maia, Custódio Vieira e Carlos Mardel.
A escolha destes profissionais garantia não só competência técnica, mas também uma leitura estética ajustada ao gosto régio, que oscilava entre o estilo clássico e o barroco.
A obra tornou-se possível graças ao imposto conhecido como “Real de Água”, aplicado sobre bens essenciais como o vinho, a carne e o azeite. Este esforço coletivo levou muitos lisboetas a considerar o aqueduto como um feito do próprio povo – uma ideia rara numa época em que as grandes obras estavam geralmente reservadas à nobreza ou ao clero.
O sistema de abastecimento de água era complexo: incluía um troço principal com cerca de 14 km, vários troços secundários e cinco galerias responsáveis pela distribuição da água a mais de 30 fontanários espalhados pela capital. No seu auge, o sistema atingia cerca de 58 a 59 km de extensão.
O troço mais icónico da estrutura é a arcaria que atravessa o Vale de Alcântara. Com 941 metros de comprimento e 35 arcos – dos quais 14 são ogivais – este segmento inclui o maior arco em ogiva de pedra do mundo, com 65,29 metros de altura e 28,86 de largura. Esta proeza da engenharia do século XVIII resistiu ao terramoto de 1755, reforçando a sua reputação como um feito técnico e estético notável.
Mas o aqueduto não é apenas um testemunho da engenharia. É também um documento vivo da evolução urbana e social de Lisboa. Sobre os arcos, construiu-se um passeio público, que ligava Campolide a Monsanto.
A certa altura, este percurso esteve associado a uma série de crimes macabros: um jovem galego terá empurrado várias vítimas do cimo da arcaria, simulando suicídios, o que deu origem a uma das histórias mais negras da cidade.
A arquitetura do aqueduto reflete dois momentos distintos. Até à entrada em Lisboa, a construção segue um estilo funcional, conhecido como “estilo chão”. Já no interior da cidade, surgem elementos decorativos, como as claraboias barrocas encomendadas por D. João V a Carlos Mardel, que conferem à estrutura um carácter cerimonial, quase triunfal. O Arco das Amoreiras é um bom exemplo disso, combinando elementos utilitários com referências ao classicismo romano.
Classificado como Monumento Nacional desde 1910, o Aqueduto das Águas Livres deixou de fornecer água à cidade em 1967. Em 1986, parte da estrutura foi reaberta ao público, estando atualmente sob a gestão do Museu da Água.
É possível visitar o troço da arcaria de Alcântara, seja em visitas livres ou guiadas, e percorrer o antigo canal de distribuição, agora transformado num miradouro com vistas sobre Lisboa.
Mais do que um monumento, o aqueduto é uma memória visível da capacidade de planeamento urbano, da importância da água como bem público e da ambição de uma cidade que, num tempo de impérios, quis também ser moderna.
Para quem vive ou visita Lisboa, é um convite a olhar para a cidade com outros olhos – do alto dos seus arcos.