Tinha a alcunha “o Pancada” e ficou na memória dos portugueses, especialmente dos lisboetas, com a aterrorizante história deste que é considerado um dos primeiros grandes serial killers de Portugal a remontar à primeira metade do séc. XIX, quando o medo reinava nas ruas da nossa capital. Esta é a história de Diogo Alves.
Diogo nasceu no interior da Galiza, em 1810, e emigrou para Lisboa aos 13 anos, juntamente com muitos outros galegos que vinham ajudar na construção do aqueduto. Mas ao contrário destes, Diogo decidiu trabalhar para famílias nobres.
O Aqueduto das Águas Livres impressionava pelo seu tamanho, tendo sido construído entre 1731 e 1799, sendo o eixo central de um sistema com 14 km e que ia desde a Mãe D’Água, em Sintra, até à Travessia do vale de Alcântara. As suas galerias subterrâneas levavam água a chafarizes, palácios e edifícios públicos, sendo considerado um dos principais feitos de engenharia dos sécs. XVIII e XIX no nosso país. Infelizmente, este aqueduto será também o palco de vários crimes de Diogo Alves.
Não se sabe muito bem como este passou a sua infância e juventude, com algumas pessoas a dizerem que os roubos começaram aos 26 anos, quando já não conseguia financiar o seu estilo de vida recorrendo a trabalho honesto. Outros dizem que ele nem sempre foi um criminoso e que a sua vida se alterou graças ao vício pela bebida e pela influência de Gertrudes Maria, conhecida como a Parreirinha.
Em 1838, Diogo comete um golpe criminoso na Calçada da Estrela, com a ajuda desta, e a sua relação adúltera evoluiu a tal ponto que ele chegou a ir viver para sua casa, juntamente com dois filhos dela, um menino e uma menina. Terá sido esta filha uma testemunha fundamental para que tanto o criminoso como a sua quadrilha fossem condenados.
Mas já lá vamos. Diogo Alves estreou o seu modus operandi em 1836, abordando as suas vítimas quando estas acediam ao aqueduto, especialmente lavadeiras e agricultores que iam vender as suas colheitas na cidade. Ao cair da noite e quando estas regressavam a casa, Diogo atacava. Apesar de isso não constar do seu processo judicial, os crimes no Aqueduto terão ocorrido entre 1836 e 1839.
A escolha do local tinha essencialmente um objetivo prático: era fácil para Diogo roubar aqui as vítimas sem dar nas vistas e, terminado o roubo, podia atirá-las do topo do arco do aqueduto, como se de um suicídio se tratasse.
Na altura, o país passava por uma grande instabilidade política, graças à revolução liberal. Existiam cada vez mais dificuldades e fome entre as classes mais baixas, pelo que não houve grandes desconfianças com a onda de “suicídios” a que se assistia no Aqueduto.
E assim, Diogo Alves continuava a atemorizar os habitantes da cidade, sendo os ataques tão frequentes que as pessoas ganharam medo de passar pelo Aqueduto para ir dos subúrbios às partes mais abastadas da cidade. Para termos uma ideia, estima-se que, em seis meses, assassinou cerca de 70 pessoas.
As autoridades não davam muita atenção ao caso, julgando tratar-se de suicídios, até porque as entradas do Aqueduto eram guardadas. Mas tudo começa a mudar após a morte de 4 pessoas da mesma família e do jardineiro da Infanta Isabel Maria, altura em que se começa a pensar que “algum feroz salteador ali se refugiara e vivia ocultado”.
Com o fecho do Aqueduto, este assassino passou a atacar casas residenciais. Em 1839, invadiu a casa do conhecido médico Pedro de Andrade, perpetrando aí o seu crime mais conhecido, chamado comumente de “O Crime da Rua das Flores”. Diogo matou o médico e a sua família, deixando, no entanto, várias testemunhas.
Dias depois, um membro do grupo de Diogo, conhecido como “Enterrador”, foi apanhado em flagrante a assaltar uma casa e acabou por não só confessar os crimes, como por entregar os restantes assassinos. Após ter admitido a culpa no caso do médico e no caso da idosa da Calçada da Estrela, Diogo é condenado à morte por enforcamento em 1840, sendo que a sentença é cumprida a 19 de fevereiro de 1841.
O curioso é que continuariam a ocorrer mortes no Aqueduto das Águas Livres entre 1841 e 1852, tendo este sido encerrado por razões de segurança. Apenas voltou a ser reaberto ao público no século XX, como núcleo do Museu da Água pela EPAL.
Assim, Diogo Alves passou para a história pelos piores motivos, como um dos primeiros serial killers de Portugal, e foi uma das últimas pessoas condenadas à morte no país, no Cais do Tojo de Lisboa. Os seus feitos fizeram-no inclusive ganhar fama além-fronteiras, e a sua história continuou muito para além da sua morte.
Isto porque a sua alegada cabeça foi entregue à Escola Médico-Cirúrgica, para que os investigadores pudessem estudar o que se poderia encontrar por trás de tamanha crueldade. A prática, chamada frenologia, era muito popular na época.
Assim, e apesar de nada terem descoberto, a alegada cabeça de Diogo Alves continua preservada em formol até aos nossos dias, durante 180 anos, encontrando-se atualmente no Teatro Anatómico da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Ficámos sem saber como a filha da Parreirinha foi testemunha para a resolução do caso. Terá testemunhado crimes do Diogo Alves? Tê-lo-á ouvido a planear crimes conjuntamente com a Gertrudes? Pelo que me contaram, era costume o Diogo ir à cidade (naquele tempo, Belém, onde parece que viviam, ficava bastante afastado da cidade) entregar mercadorias a clientes da Parreirinha e, de caminho, roubava e assassinava os clientes, o que não terá sido muito do agrado da sua amante. No meio de toda esta macabra história persistem muitas zonas de penumbra…