São muitos os locais no nosso país que apresentam vestígios de ocupação antiga, devido às suas caraterísticas naturais. Um desses locais é o castelo de Ansiães, que nos conta uma crónica que recua até à pré-história, até porque o local esteve ocupado durante cinco milénios. Hoje, as suas gentes encontram-se nas aldeias e vilas à volta, em especial em Carrazeda de Ansiães, atual sede de concelho. Mas este castelo ainda tem muito que contar, e merece uma visita demorada.
No planalto de Carrazeda de Ansiães, são diversas as colinas que se destacam, mas uma delas, que nem sequer é a mais alta, acabou por se tornar especial. Nela encontram-se duas cinturas de muralhas: a primeira é pequena, ovalada e assenta na elevação; a segunda é comprida, alta e engole a primeira, dominando o outeiro.
É a esta segunda muralha exterior que corresponderia a vila e sua zona residencial, que era organizada por duas estradas principais em cruz e outras secundárias, que saíam a partir delas. Ainda é possível reconhecer as ruínas das casas, apesar do seu avançado estado de destruição.
Quanto ao perímetro amuralhado interior, corresponderia ao castelo propriamente dito, que se encontrava apetrechado pela torre de menagem e outros aparelhos militares, que serviam de reduto em caso de ocupação da cerca exterior. Este majestoso conjunto foi reforçado por duas igrejas: a de São Salvador, que se encontra intramuros, e a de São João Batista, hoje bastante arruinada, e que se encontra extramuros. Esta última igreja foi adaptada a curral e, portanto, pouco resta para conhecermos.
Apesar disso, na igreja de São Salvador, que foi levantada no século XII ou XIII, encontramos um belo exemplo de arte românica, sobretudo pela escultura, em linhas rudes, de um Cristo em Majestade.
Portanto, em Ansiães, podíamos encontrar a função militar na alcáçova e na torre de menagem, a vida civil nas residências da cerca exterior, e a religião nos templos dentro e fora da muralha, garantindo a plenitude de uma comunidade que tinha a particularidade de ser dona de si própria.
Não deixa de ser interessante notar que um sítio que aparentemente contou sempre com gente desde o Calcolítico se encontra agora deserto. A verdade é que os tempos mudaram e deixou de existir a necessidade de a população precisar de um castelo onde se possa recolher em caso de ameaça.
Hoje, o que se procura é trabalho, existente nos grandes centros urbanos, fornecidos por bons acessos viários e com toda uma vasta gama de serviços, algo que o castelo de Ansiães não tem. Mesmo assim, não deixa de ser uma visita agradável e muito informativa.
O primeiro foral foi-lhe atribuído por D. Fernando I, rei de Leão, que estabeleceu os seus limites muito próximos aos dos atuais limites do concelho de Carrazeda de Ansiães. Os forais foram repetidos com os três primeiros reis portugueses, sendo que, mais tarde, D. Afonso III lhe dá também uma Carta de Feira, que regulava a feira mensal.
De notar que o castelo de Ansiães fugia à norma da época, porque, apesar de ter um Senhor (no sentido de ter um senhorio do território), o alcaide da vila era o povo, sendo que as decisões seriam alvo de debate e consequente consenso popular.
No final da I dinastia, D. Fernando I entrega o forte e a vila aos Porto Carreiro, família da sua confiança. O povo aceita a decisão régia e não tem qualquer reação, mas, pouco tempo depois, morre o rei e começa a contenda com Castela, até porque a herdeira de D. Fernando se encontra casada com o rei castelhano.
Em Ansiães, a família Porto Carreiro decide ficar do lado de Castela, o que leva a que o povo a expulse e volte a tomar as rédeas da sua vila. Da contenda nacional afirma-se como o rei D. João I, que não esquece a lealdade de Ansiães e entrega diversos privilégios a quem lá vive, fazendo também obras a nível das muralhas.
Apesar disso, mais de três décadas depois, uma nova família (a família Sampaio) ficou com todos os direitos e rendas da vila, no contexto da reestruturação da nobreza portuguesa.
Os Sampaio ficaram senhorios da vila até ao reinado de D. Manuel I, altura em que a vila de Ansiães se virou contra o seu senhor e o escorraçou, por este ter tentado apegar-se da alcaidaria, para fazer valer os seus direitos.
Então, o rei declara que o castelo e alcaidaria seriam sempre governados pela concelhia, e não seriam entregues a um novo senhor, estranho às suas gentes. Assim, Ansiães regressava à sua primeira organização, sendo gerida pela população.
Por ironia, foi a paz que acabou por desertificar Ansiães, uma vez que já não havia necessidade de estar perto de um recinto amuralhado, especialmente quando este se encontrava num local com escassez de água e intensas cargas de vento e frio. Assim, as migrações começaram, para locais com melhores acessos, e, em 1784, a sede do concelho passa definitivamente para Carrazeda.
Diz-se que ainda houve resistentes, que se recusaram a deixar um sítio onde as antigas gerações tinham vivido, mas a verdade é que a vila fortificada de Ansiães estava já quase ao abandono, e ficou deserta com a destruição do seu maior símbolo de poder local, o pelourinho. E assim, ao fim de praticamente cinco milénios, chegava ao fim a ocupação da vila e castelo de Ansiães.