O Calvo é uma aldeia actualmente abandonada, situada a cerca de dois quilómetros de Santa Valha, no concelho de Valpaços. Envolta pela serra de Santa Cristina, a aldeia, que outrora acolhia cerca de 30 habitantes, era atravessada pelo rio Calvo e contava com várias casas, hoje em ruínas.
O seu principal sustento era a moagem de cereais, uma atividade que era visível pela presença de moinhos abandonados na zona. Em 1953, um incêndio devastador contribuiu para a desertificação da aldeia.
A aldeia era também conhecida pela sua capela, onde, após a profanação da imagem da Santa Cristina, restou apenas a figura de Santo António. Este santo foi levado por um cavaleiro para uma aldeia próxima, onde permanece junto do padroeiro no altar-mor.
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O Calvo, embora nunca tenha sido uma aldeia próspera, era um local agradável e soalheiro, apreciado por quem passava pela região. Hoje, o local está coberto por grandes amontoados de pedra, onde agora se escondem coelhos e répteis.
No coração da aldeia abandonada de Calvo, existe uma história que resiste ao tempo. A memória de Mário António, carinhosamente conhecido por Mário “Cego”, mantém-se viva entre aqueles que o conheceram.
Perdeu a visão aos 16 anos, após um trágico acidente em que embateu com os olhos num estadulho de um carro de bois. No entanto, esta limitação nunca o impediu de levar uma vida independente e determinada.
Mário António viveu em Calvo até ao início da década de 1980, pouco antes do seu falecimento. Apesar da solidão, mantinha uma rotina ativa e visitava regularmente Santa Valha aos domingos, onde assistia à missa e convivia com familiares e amigos. Recusava-se a abandonar a casa onde nascera, teimando em permanecer no local que sempre considerou seu.
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O mais impressionante era a sua autonomia. Fazia todas as tarefas domésticas, desde lavar a roupa até preparar o fumeiro. Ia buscar água à fonte, tratava da pequena vinha e desempenhava outras tarefas agrícolas.
Quando se ausentava, deixava a chave da sua casa num dos três buracos na parede, cada um correspondente ao destino da sua deslocação. Desta forma, os visitantes sabiam onde o encontrar.
A sua determinação era lendária. Nos dias de chuva intensa, quando o ribeiro transbordava e as pedras de atravessamento ficavam submersas, Mário António atravessava o curso de água equilibrando-se sobre o tronco de uma árvore caída. Um feito que muitos presenciaram e recordam com admiração.
Para além da sua coragem, era também conhecido pela sua bondade. Quem o visitava era sempre bem recebido, e as histórias sobre a sua hospitalidade multiplicam-se entre aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer.
Um dos seus amigos, Adriano da Mata, recorda as visitas com o primo pedreiro, Amadeu Moreiras, para comprar borregos. A comida era confecionada pelo Mário e partilhada com os convidados, num ambiente de genuína amizade.
No entanto, nem tudo foi fácil. Nos seus últimos anos, um desentendimento com o seu primo Gualdino Nogueira levou-o a ser transferido para a Santa Casa da Misericórdia de Valpaços. A mudança não foi do seu agrado, pois sempre desejou permanecer em Calvo. Faleceu a 23 de março de 1984, com 80 anos.
O seu legado vai para além da sua história de resiliência. Aqueles que o conheceram descrevem-no como um homem de rara integridade, alguém que deixou uma marca indelével nas memórias da região.
A sua dedicação à terra onde nasceu e a sua determinação em viver de acordo com os seus princípios fazem dele uma figura inesquecível. Esta é a homenagem a um homem cuja força e carácter transcenderam as dificuldades da vida.