Lisboa era uma das maiores e mais importantes cidades europeias no século XVIII, graças ao seu papel como centro comercial e político do império português. No entanto, a sua aparência era muito diferente da que conhecemos hoje. Antes do terramoto de 1755, Lisboa era uma cidade de traça medieval, com ruas estreitas e tortuosas, casas de vários andares e muitas igrejas e conventos.
A cidade estava dividida em vários bairros, cada um com a sua identidade e características próprias. A zona ribeirinha era o coração da cidade, onde se situavam o Paço da Ribeira, a residência real, a Ópera do Tejo, o edifício mais luxuoso da época, e a Ribeira das Naus, o estaleiro naval onde se construíam as naus que partiam para as colónias.
A cidade era também palco de uma intensa atividade cultural e social, com teatros, cafés, feiras e festas populares. No entanto, Lisboa era também uma cidade suja e insalubre, onde os dejetos eram despejados no Tejo ou nas ruas, e onde os incêndios eram frequentes. A cidade era habitada por uma população diversa e desigual, que incluía nobres, clérigos, comerciantes, artesãos, escravos e mendigos.
Para termos uma ideia de como era Lisboa antes do terramoto de 1755, podemos recorrer a algumas fontes históricas que nos permitem reconstituir a sua imagem e o seu ambiente. Uma dessas fontes é a maqueta de Lisboa anterior ao terramoto, que se encontra no Museu de Lisboa – Palácio Pimenta.
Esta maqueta foi construída entre 1996 e 2000, com base em gravuras, plantas e descrições da época. A maqueta reproduz fielmente a topografia, a arquitetura e os pormenores da cidade antiga, desde o Castelo de São Jorge até à Praça do Comércio.
Outra fonte é o livro “Lisboa antes do Terramoto”, de Norberto Araújo, publicado em 1940. Neste livro, o autor faz um percurso pelas ruas e pelos monumentos da Lisboa setecentista, contando-nos as suas histórias e lendas. O livro é ilustrado com desenhos de Roque Gameiro, que se inspirou nas gravuras antigas para recriar as paisagens urbanas.
Uma terceira fonte são as pinturas que retratam Lisboa nos séculos XV e XVI, principalmente da época dos Descobrimentos e do Renascimento. Algumas dessas pinturas são:
- A Vista da Rua Nova dos Mercadores, de autor desconhecido, que mostra a rua mais rica e movimentada de Lisboa no século XVI, onde se vendiam produtos exóticos trazidos das colónias portuguesas.
- O Chafariz D’El Rei da Ribeira Velha, em Lisboa, de autor desconhecido, que mostra uma cena quotidiana na zona ribeirinha da cidade no século XVI. A pintura destaca o chafariz gótico que abastecia de água a população e os navios.
Estas pinturas permitem-nos apreciar a riqueza histórica e cultural da Lisboa antiga, bem como os seus contrastes e exotismos.
O que aconteceu no dia 1 de novembro de 1755?
O dia 1 de novembro de 1755 ficou marcado na história como o dia em que Lisboa foi abalada por um dos maiores terramotos de que há memória. O sismo teve uma magnitude estimada de 8,5 a 9 na escala de Richter e durou cerca de seis minutos.
O epicentro localizou-se no mar, ao largo da costa portuguesa. O terramoto provocou o desmoronamento de muitos edifícios e o pânico entre a população. Muitas pessoas procuraram refúgio nas igrejas ou nas margens do Tejo, mas foram surpreendidas por um tsunami que se seguiu ao sismo. A onda gigante atingiu cerca de cinco metros de altura e invadiu a zona ribeirinha da cidade, arrastando pessoas, animais e objetos.
Por fim, os incêndios que se propagaram pela cidade consumiram o que restava das construções e dos bens. Estima-se que cerca de dez mil pessoas tenham morrido neste dia fatídico, entre as duzentas mil que habitavam a cidade. Lisboa ficou irreconhecível e devastada.
Quais foram os monumentos que resistiram e que desapareceram com o sismo?
O sismo de 1755 destruiu quase completamente a zona da Baixa e grande parte do litoral do Algarve e Setúbal. Muitos monumentos históricos e artísticos foram reduzidos a ruínas ou desapareceram para sempre. Alguns dos monumentos que foram completamente destruídos pelo sismo são:
- O Paço da Ribeira, a residência real que ficava no Terreiro do Paço, e que foi arrasado pelo terramoto e pelo tsunami. O rei D. José I escapou por pouco da morte, tendo-se refugiado numa tenda no Alto da Ajuda. O palácio foi substituído pela Praça do Comércio, com o Arco da Rua Augusta e a estátua equestre do rei.
- A Ópera do Tejo, o edifício mais luxuoso da época, que tinha sido inaugurado em março de 1755, para celebrar o aniversário da rainha D. Mariana Vitória. A ópera ficava junto ao Paço da Ribeira e tinha uma fachada monumental e uma sala de espetáculos com capacidade para 1500 pessoas. A ópera foi destruída pelo terramoto e pelo fogo, tendo funcionado apenas durante oito meses.
- A Igreja da Patriarcal, a catedral de Lisboa, que ficava na zona do Rossio. A igreja tinha sido construída no século XVII, por ordem do rei D. João V, e era um dos maiores templos da cidade. A igreja foi reduzida a ruínas pelo terramoto e nunca foi reconstruída. No seu lugar, foi erguido o Teatro Nacional D. Maria II.
- O Hospital Real de Todos os Santos, o principal hospital da cidade, que ficava na zona da Baixa. O hospital tinha sido fundado no século XV, por ordem do rei D. João II, e era um edifício imponente e bem equipado. O hospital foi destruído pelo terramoto e pelo fogo, tendo morrido muitos dos seus doentes e funcionários. No seu lugar, foi construída a Praça da Figueira.
No entanto, nem todos os monumentos lisboetas foram arrasados pelo sismo. Alguns resistiram ao abalo e mantiveram-se de pé até aos nossos dias. Alguns dos monumentos que sobreviveram ao sismo são:
- A Igreja de São Roque, uma das mais belas igrejas da cidade, que pertencia à Companhia de Jesus. A igreja tem um estilo maneirista e barroco e alberga várias capelas ricamente decoradas. A igreja resistiu ao terramoto quase sem danos e foi cedida à Santa Casa da Misericórdia para substituir a sua igreja destruída.
- O Aqueduto das Águas Livres, uma obra de engenharia do século XVIII, que trazia água potável para a cidade desde as nascentes de Belas. O aqueduto tem um arco monumental sobre o vale de Alcântara e é considerado um dos símbolos de Lisboa. O aqueduto sofreu alguns estragos com o terramoto, mas manteve-se de pé e em funcionamento até ao século XX.
- O Castelo de São Jorge, a fortaleza medieval que domina a colina mais alta da cidade. O castelo tem origens romanas e foi ampliado pelos muçulmanos e pelos cristãos ao longo dos séculos. O castelo sofreu alguns abalos com o terramoto, mas conservou a sua estrutura e as suas muralhas. O castelo é hoje um dos principais pontos turísticos da cidade.
- A Sé de Lisboa, a catedral românica que foi fundada no século XII, por ordem do rei D. Afonso Henriques. A sé tem uma fachada austera e um interior gótico e barroco. A sé foi danificada pelo terramoto, mas não colapsou e foi restaurada posteriormente. A sé guarda vários tesouros artísticos e históricos, como o túmulo do cruzado inglês Gilbert of Hastings ou as relíquias de São Vicente, o padroeiro de Lisboa.
Estes monumentos testemunham a resiliência e a memória da Lisboa antiga, que não se deixou apagar pelo sismo.
Conclusão
Lisboa antes do terramoto de 1755 era uma cidade medieval em pleno século XVIII, com uma riqueza histórica e cultural imensa, mas também com muitos problemas sociais e sanitários. O terramoto foi uma tragédia que mudou para sempre a face da cidade e a vida dos seus habitantes.
A reconstrução foi uma oportunidade para criar uma nova Lisboa, mais moderna e ordenada, mas também mais fria e uniforme. Hoje em dia, podemos ainda encontrar alguns vestígios da Lisboa antiga, que nos permitem imaginar como era a cidade antes do terramoto e apreciar o seu valor patrimonial.