Em 1290, a Inglaterra expulsou os judeus do seu território, imitando uma tendência que outros países europeus já tinham seguido. No entanto, em 1656, o rabino Menasseh ben Israel, originalmente Manuel Dias Soeiro e a viver em Amesterdão, tentou convencer Oliver Cromwell a permitir o regresso dos judeus.
A iniciativa não foi totalmente bem-sucedida, apesar de Cromwell ter procurado a aprovação do Parlamento. Ainda assim, este esforço deixou sementes que mais tarde viriam a germinar, permitindo aos judeus, incluindo portugueses, regressar a Inglaterra. Não teriam, porém, igualdade de estatuto com os ingleses até ao século XIX.
Até há pouco tempo, pensava-se que não houve judeus na Inglaterra entre 1290 e 1656. Contudo, muitos judeus portugueses adotaram identidades católicas ou protestantes (Marranos) e conseguiram ali instalar-se já nos tempos de Henrique VIII e Isabel I.
Esta presença mais discreta começou a ganhar raízes quando, após a expulsão dos judeus sefarditas de Espanha em 1492, Portugal acolheu muitos destes exilados. Mas a paz não durou. Em 1496, sob pressão espanhola, D. Manuel I ordenou aos sefarditas que partissem no prazo de dez meses.
O rei não queria perder súbditos instruídos e criativos, mas a solução encontrada foi tudo menos amável: conversões forçadas e a retirada de crianças judias das famílias para serem educadas por cristãos. Muitos resistiram ao batismo e foram arrastados à força para as fontes batismais. Só alguns, como o astrónomo Abraão Zacuto, conseguiram fugir. O plano régio era que a assimilação fosse rápida, mas tal não aconteceu.
A tensão acumulou-se até ao massacre de Abril de 1506, quando frades dominicanos conduziram uma multidão enfurecida pelas ruas de Lisboa durante três dias, matando milhares de cristãos-novos.
Como consequência, os frades foram executados e as restrições de viagem impostas em 1497 aos cristãos-novos foram levantadas. Seguiu-se uma diáspora de judeus portugueses educados e ricos para vários centros europeus: Amesterdão, Hamburgo, Bordéus, Veneza, Constantinopla e, claro, Inglaterra.
Este fluxo de migrantes valorizou as economias locais, promovendo o conhecimento, a cultura e o comércio. É curioso pensar que Portugal perdeu assim alguns dos seus talentos mais úteis, por insistência nas uniformidades religiosas. Ao mesmo tempo, várias famílias judias portuguesas, dotadas de sólidas redes comerciais, criaram pequenas comunidades em cidades como Bristol e Londres.
A herdeira da fortuna dos Mendes passou por Bristol em 1537, recolhendo fundos para o seu cunhado Diogo Mendes, que financiava monarcas como Henrique VIII de Inglaterra, João III de Portugal, Francisco I de França e até o sultão Suleiman do Império Otomano. A influência era tão vasta que o próprio Henrique VIII interveio a favor de Mendes quando este foi acusado de “judaização”.
Em Bristol existiu uma comunidade judaica semi-secreta, com serviços religiosos clandestinos. Embora enfrentasse repressões ocasionais, a mesma foi ressurgindo à medida que as marés políticas se alteravam. Durante o reinado de Isabel I, o comércio expandiu-se e, com ele, a presença dos Marranos, que chegaram a contar com uma centena de membros em Londres.
Por detrás de portas fechadas praticava-se o judaísmo, enquanto, cá fora, se estabeleciam rotas comerciais entre o Velho e o Novo Mundo. Londres substituiu Lisboa como centro mundial de diamantes. Açúcar, café, tabaco, especiarias e pedras preciosas circulavam graças a estes mercadores, que viviam uma dupla identidade: bons comerciantes à luz do dia, judeus devotos no recato dos seus lares.
Em 1585, Inglaterra estava em guerra com Espanha, que anexara Portugal em 1580. Filipe II de Espanha queria restaurar o catolicismo em Inglaterra, preparando uma invasão.
É aqui que entra Hector Nunes, médico e cristão-novo português nascido por volta de 1520, fugido para Inglaterra para escapar à Inquisição. O seu comércio servia de fachada para a espionagem, passando informações sobre os movimentos navais espanhóis à corte de Isabel I.
Nunes trocava cartas com o próprio Filipe II, fingindo lealdade comercial, enquanto na realidade ajudava os ingleses. Diz-se que, mal soube da partida da Armada Invencível de Lisboa em 1588, Nunes levantou-se a meio do jantar (talvez largando um bom pedaço de pão), correu a dar a notícia a Francis Walsingham e assim preparou Inglaterra para o ataque . O resultado é conhecido: os navios espanhóis sofreram uma pesada derrota, e menos de metade regressou a casa.
Este episódio mostra como, após a expulsão e perseguição em solo português, os judeus portugueses encontraram noutros países não apenas abrigo, mas um palco onde a sua influência económica, cultural e estratégica desempenhou papéis decisivos.
De foragidos a peças-chave num dos momentos históricos mais marcantes da Europa, deram um contributo inesperado para a vitória inglesa frente à temida Armada.