Se gosta de história, já deve ter ouvido falar do Couto Misto, um estado independente situado em território que hoje é português e espanhol, e que durante mais de 9 séculos fez parte da história dos dois países. O Couto Misto (Couto Mixto, em galego) tinha 27km2 e situa-se na fronteira entre Montalegre o a atual província de Ourense.
Apesar da sua situação geográfica peculiar, entre dois países, os habitantes do Couto Misto não tinham problemas com isso, celebrando a história de Portugal, de Espanha e a sua própria cultura. As diferenças de escrita e na pronúncia eram, por isso, irrelevantes para esta população.
Os primeiros registos do Couto Misto são datados de 1147, mas pensa-se que a origem deste microestado é anterior e que remonta à independência da Coroa de Portugal do Reino de Leão. Após o nascimento de Portugal, as fronteiras não estavam ainda bem definidas, colocando aldeias e vilas raianas numa situação um pouco incerta.
Chegado a este ponto, existe uma divisão nas teorias: para uns, o Couto Misto seria um refúgio de criminosos; para outros, seria um local constituído legalmente pelo rei português D. Sancho I, através de Carta de Foral.
Segundo a tradição oral, existe uma outra história que conta a origem do Couto Misto: ao que parece, uma princesa desterrada ficou presa durante um nevão, grávida, enquanto atravessava a serra.
Os habitantes da região que mais tarde seria o Couto Misto salvaram-na e ajudaram-na a dar à luz em segurança. Agradecida, a princesa concedeu-lhes então a independência e os respetivos privilégios a que esta estava associada.
Certo é que os habitantes do Couto Misto gozavam e benefícios que espanhóis e portugueses da altura não tinham. Podiam escolher a sua nacionalidade (espanhola, portuguesa, ambas ou nenhuma) no dia do casamento, sem restrições de qualquer espécie. Caso decidissem não ter nenhuma nacionalidade, não eram obrigados a prestar serviço militar em nenhum dos países, nem poderiam ser recrutados em caso de guerra.
O Couto Misto estava também isento do pagamento de impostos e taxas aos Reis dos dois países (uma vez que não respondia a nenhuma das Casas Reais) e os seus habitantes podiam escolher livremente o que cultivar.
Existia neste microestado uma estrada, chamada de Caminho do Privilégio, que o atravessava e ligava as suas 3 principais localidades (Meaus, Santiago e Rubiás) a Tourém. Qualquer pessoa podia passar nesta estrada e as autoridades estavam interditas de prender ou perseguir alguém na estrada, mesmo que essa pessoa transportasse contrabando (especialmente tabaco).
Assim, era comum ver-se portugueses a percorrer o Caminho do Privilégio com sapatos muito usados, e a voltar depois com sapatos novos. O transporte de sal, medicamentos, sabão, açúcar ou bacalhau para dentro do Couto Misto era também frequente, e nenhuma autoridade podia prender ou intercetar quem fazia este transporte.
Quem procurava asilo poderia também dirigir-se ao Couto Misto: mesmo que fossem criminosos procurados pela justiça de um dos dois países, não poderiam ser presos ou privados das suas riquezas e direitos dentro do Couto Misto.
Mas isto não significava que o Couto Misto não era governado. No fundo, este microestado era uma República, onde as cabeças de família elegiam por voto um governo, cuja autoridade máxima era um juiz. Cabia a este juiz escolher outros dois por cada povoação, chamando-se estes homes de acordos.
As decisões do governo eram tomadas em praça pública pelos moradores, estando prevista a possibilidade de revogar o poder dos eleitos antes do mandato acabar, elegendo-se um novo juiz, em caso de incumprimentos. Assim, os habitantes do Couto Misto raramente precisavam da intervenção das autoridades portuguesas ou espanholas, embora pudessem recorrer a elas (sendo que cada família recorreria à Casa com a qual se identificasse).
Esta liberdade do Couto Misto não agradava a todos, e por isso as regras deste microestado foram por vezes desrespeitadas pelas autoridades espanholas e portuguesas. Nem sempre se respeitava o direito de asilo, e por isso havia prisões de habitantes do Couto, e nem sempre estes habitantes negavam passagem ou alojamento a forças militares de um ou outro país.
Com o tempo, aqueles que se identificavam como espanhóis passaram a pagar impostos a Espanha, e os que se declaravam portugueses pagavam impostos ao Rei de Portugal para poderem cultivar tabaco – o que, por si, era uma violação dos direitos destes habitantes.
As relações entre o microestado e ambos os países foi-se deteriorando ainda mais com o tempo, criando-se a lenda de que os habitantes do Couto Misto seriam todos criminosos, e dos mais ferozes, incluindo-se na população assassinos, contrabandistas e malfeitores no geral, segundo a lenda que então corria de ambos os lados da fronteira. Em 1851, formou-se a Comissão Mista, que pretendia dissolver o Couto Misto e repartir o seu território por Portugal e Espanha.
A 29 de setembro de 1864, com o Tratado de Lisboa, o Couto Misto teve o seu fim definitivo. Rubiás, Meaus e Santiago passariam a pertencer a Espanha, e uma faixa desabitada do Couto Misto seria portuguesa. Portugal ficaria também com Soutelinho, Lamadarcos e Cambedo, como moeda de troca.
Assim, o Couto Misto já não existe oficialmente. No entanto, em 1990, iniciaram-se esforços de proteção e conservação da identidade daquele pequeno estado histórico. Foram criadas associações e foram recuperadas certas tradições, como o Juiz Honorário e os homes de acordo.
Graças a este esforço, pode ainda visitar a zona e percorrer caminhos e trilhos ainda disponíveis, ou ver outras atrações relacionadas ao Couto Misto, como umas pinturas que foram descobertas em 2013.
Se quer visitar o Couto Misto, saiba que este se encontra hoje na província de Ourense, dividido entre as vilas de Baltar e Calvos de Randín, e fazendo fronteira com as freguesias de Padroso, Donões e Mourilhe, em Montalegre. Para além da visita ao território do Couto Misto, recomenda-se uma passagem demorada por todas estas regiões!
Isto sim, é a História da Peninsula Ibérica (chamem-lhe IBÉRIA, HISPANIA ou PORTUCALE). Que pena não estarmos unidos, seríamos uma grande Força Viva.
Concordo pleanamente. Nasci portugues e neto de galega e só não vê a mais valia e as vantagens quem não quer.
Meu Bisavô materno, Narcizo Fernandes nasceu em Tourem a 25 Fevereiro de 1864. Quando o Couto Mixto foi extinto. Muitas perguntas tenho comigo.
Gostaria de contactar convosco. Talvez em breve vá a Tourem
Um abraço
Orlando Fernandes Figueira