Ao longo da história de Portugal ocorreram diversos episódios marcantes, muitos deles associados à figura do rei e da sua família. Mas sabia que, no nosso país, existiu um rei que, antes de o ser, tinha a ambição de um dia se tornar Papa? Neste artigo, damos-lhe a conhecer melhor o Cardeal D. Henrique, que foi nosso governante numa época extremamente delicada.
D. Henrique era filho, irmão e tio-avô de reis, sendo que governar o nosso país nunca fez parte dos seus planos. Acabou por subir ao trono com 66 anos de idade, com um percurso de vida que não fazia adivinhar o seu destino.
Nasceu em 1512 e era filho do rei D. Manuel e de D. Maria de Aragão e Castela, a sua segunda mulher. Era o quinto filho deste rei e, portanto, encontrava-se muito longe na linha de sucessão. Assim, desde cedo traçou para si um percurso religioso. Com 10 anos de idade, era já Prior de Santa Cruz e, aos 11 anos, era Abade de São Cristóvão de Lafões e Prior de São Jorge.
Já com 21 anos de idade, tornou-se Administrador do Arcebispo de Braga e, aos 27 anos, tornou-se ele próprio Arcebispo e Inquisidor-mor, sendo que, mais tarde, se tornou Cardeal. A sua ambição era de eventualmente se tornar Papa.
Este percurso não o impede de estar próximo do trono, até porque, ao longo da menoridade de D. Sebastião, D. Henrique foi apontado como regente de Portugal, tendo ocupado esse cargo entre 1562 e 1568. Na sequência da morte de D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, D. Henrique acabou por se tornar rei.
No entanto, o Cardeal não era novo e não chegou a ter filhos, pelo que não havia herdeiro direto. Portanto, a informação da morte de D. Sebastião foi mantida em segredo durante algum tempo.
O Cardeal D. Henrique acabou por ser uma solução de curto prazo para o problema que a morte de D. Sebastião colocou para o nosso país, existindo um grave problema de sucessão. Sendo uma pessoa já de idade avançada, D. Henrique estava destinado a ter um reinado curto, acabando por falecer sem ter escolhido um sucessor.
O Cardeal ainda solicitou ao Papa uma autorização para se casar e ter filhos, mas essa autorização acabou por não chegar, mantendo-se o problema da sucessão após o falecimento do Cardeal.
O passo seguinte seria nomear directamente um sucessor entre os vários candidatos ao trono português, mas, apesar de terem sido feitas reuniões, D. Henrique não fez a sua escolha antes de falecer. Essa responsabilidade acabou por recair depois nas cortes, seguindo-se o domínio filipino em consequência.
Mas por que razão é que o Papa não autorizou o casamento de D. Henrique, sabendo que este tinha motivos mais que válidos para o fazer? A verdade é que a ação castelhana levou à frustração dos desígnios do Cardeal, já que retiveram a sua carta Régia em Espanha.
Esta estratégia foi o suficiente para ganhar tempo para convencer o Papa a não dar o seu aval ao pedido do Cardeal. Assim, o Papa Gregório XIII não libertou D. Henrique dos seus deveres cardinalícios, mantendo este celibato até a sua morte.
Como curiosidade, o Papa Gregório XIII era familiar dos Habsburgos, que tinham a ambição de assumirem a Coroa de Portugal. Portanto, existiam interesses mais altos que os de todo um país em jogo, o que ajuda a explicar as decisões tomadas. O que é certo é que, ao Cardeal D. Henrique, se seguiram 60 anos da ocupação espanhola.
Existe ainda outra história curiosa relativa ao Cardeal D. Henrique que causava muita estranheza nos seus súbditos. Aos 70 anos e com uma saúde debilitada, o rei achava que beber leite humano o ajudaria a melhorar o seu estado. Por isso, recorreu aos serviços daquilo a que na época se chamava uma “ama de leite”, ou seja, uma mulher que lhe dava leite diretamente dos seus seios.
A tradição das “amas de leite” estava profundamente enraizada na monarquia europeia e eram muito raras as rainhas que amamentavam os seus filhos, recorrendo a outras mulheres da sua confiança para desempenhar essa tarefa. No entanto, isso era um hábito normal apenas até aos 2 anos de idade, e não aos 70, como no caso do Rei D. Henrique.
E para cúmulo, o rei apenas recorria a “amas de leite” de origem nobre e não do povo. A escolhida, por isso, foi Maria da Mota, casada com Rui Fernandes Costa.