Um dos episódios mais caricatos e pouco conhecidos da nossa história está relacionado com D. João IV, figura responsável por restaurar a independência de Portugal após o domínio espanhol. Afinal, este rei foi condenado à morte…depois de já ter morrido.
Filho de D. Teodósio II (7º Duque de Bragança) e de D. Ana de Velasco, nasceu a 19 de março de 1604, em Vila Viçosa. Casou-se com D. Luísa Francisca de Gusmão, e acabou por reinar Portugal entre 1640 e 1656. Ficou para a história com o nome de “O Restaurador”, já que a coroa caiu nas suas mãos após a dinastia Filipina, que durou 60 anos. Iniciava-se assim a 4ª e última Dinastia, a de Bragança.
Para isso acontecer, um grupo de conspiradores contra Espanha tomou o poder da capital portuguesa, tendo entregado a D. João, que era Duque de Bragança desde 1630, a coroa do reino. Diz-se que D. João ainda hesitou, já que o contexto era delicado, mas acabou por ser aclamado em Lisboa e jurado como D. João IV, Rei de Portugal, a 15 de dezembro de 1640.
A restauração da independência tornou necessário o apoio internacional à causa portuguesa e a preparação do país para a inevitável invasão espanhola. Assim, foi solicitado o apoio de Inglaterra, França e Países Baixos, justificando-se a revolta de uma forma jurídica, já que não se tratava de uma rebelião, mas sim de restituir o trono ao seu legítimo representante, D. João IV.
Acabou por conseguir o apoio de Inglaterra e de França, mas não dos Países Baixos, na altura o principal inimigo dos portugueses na Ásia e no Brasil. Também nunca conseguiu o apoio da Igreja, que apoiava o lado espanhol, com muita influência junto do Papa. Isto tornou a tarefa de D. João IV mais complicada, já que teve de enfrentar uma conspiração para o assassinarem em 1641.
Mesmo assim, foi bem-sucedido a repelir as tentativas de invasão do território nacional, feitas por Filipe IV, o que erradicou de vez a dinastia Filipina e as suas pretensões. D. João IV faleceu anos mais tarde, com o reino já pacificado, a 6 de novembro de 1656, no Paço Real em Lisboa, vítima de “dores de ilharga”, uma doença renal de que já padecia há algum tempo. Foi sucedido por D. Afonso, ainda menor, tendo o reino ficado sob regência da rainha D. Luísa.
Chegamos aqui ao episódio caricato. D. João IV foi enterrado no Mosteiro de S. Vicente de Fora, mas a cerimónia foi interrompida a meio pela chegada de Delegados da Inquisição, que irromperam pela Igreja e convocaram a Rainha e os infantes Afonso e Pedro.
De seguida, deram instruções para que o cadáver Real fosse retirado do caixão e depositado no chão, onde lhe despiram o hábito de São Francisco e o manto da Ordem de Cristo.
Foi lido um acórdão em que se excomungava o rei D. João IV, declarando-o inimigo da Igreja, condenando-o à morte e, para terminar, condenando-o ao fogo do inferno. Esta terá sido a vingança da Igreja, que não tolerou que o rei enfrentasse o seu poder.
D. João IV dedicou grande parte da sua vida não só à restauração da independência de Portugal mas também às artes em geral. Foi mecenas e compositor e terá escrito a famosa obra “Adeste Fideles”, cujos manuscritos foram encontrados no Palácio de Vila Viçosa, datados de 1640.
“Adeste Fideles”, é uma expressão latina que significa algo como “Venham fiéis»” e é um hino de Natal, interpretado diversas vezes por nomes sonantes da ópera mundial como Luciano Pavarotti, Andrea Bocelli, Barbara Padilla, Jose Carreras ou Placido Domingo.
Possuía, ainda, e à data, um dos maiores acervos bibliográficos do mundo e foi o responsável pela fundação de uma escola de música erudita em Vila Viçosa, de onde saíram músicos formados para a Europa, em especial para Itália.