Pode parecer estranho para muitos o palácio da Ajuda, ainda inacabado e com dimensões inesperadas para aquele local da cidade, contrastando a fachada com as traseiras ainda inacabadas e quase em ruínas. Mais estranho parece ainda que, a apenas alguns metros do palácio, se erga uma torre do relógio monumental, com um galo de ferro forjado no topo, e que parece quase perdida no meio de um enorme parque de estacionamento. Mas a explicação para tão invulgar construção reside num episódio negro da história de Portugal – o terramoto de 1755, e a reação do Rei D. José I ao mesmo.
Era a manhã de 1 de novembro de 1755, dia de Todos os Santos. e a velha cidade medieval e Lisboa preparava-se em massa para assistir às missas que celebravam o dia. De repente, a terra tremeu violentamente, destruindo três quartos da área total da cidade. O terremoto foi seguido de um maremoto, que fez as águas do Tejo subirem até ao atual Marquês de Pombal, seguidos da devastação causada por incêndios sucessivos.
Lisboa vivia assim dias de medo, com os habitantes a temer réplicas do desastre, e a interpretarem o sucedido como castigo divino, levando a uma onda de refugiados que se tentavam afastar ao máximo da cidade. No que toca à Família Real, um acaso levou a que estes tivessem passado a noite em Belém, local menos afetado pelo terremoto, sendo essa a razão por que todos escaparam incólumes, pelo menos físicos.
Apesar de tudo, a realeza e nobreza partilhava o medo e angústia do povo, e assim, temente de Deus e com medo de que tal catástrofe se viesse a repetir, o rei D. José terá dito ao primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (futuro Marquês de Pombal) que nunca mais voltaria a dormir numa casa de alvenaria.
E cumpriu a promessa, tendo a Família Real sido instalada num palácio construído precariamente a partir de madeira, numa quinta que D. João comprou na zona da Ajuda, e que passou a ser conhecida por “a Real Barraca da Ajuda”, para onde se levaram grande parte dos bens de outros palácios reais que tinham escapado ao desastre.
Apesar do nome, a Real Barraca era sumptuosa e ocupava uma área maior que a do atual palácio, tendo sido idealizada pelos melhores arquitetos da altura e decorada com luxo. Entre outros, Petrone, Mazone e Veríssimo Jorge ajudaram o rei a transformar aquela estrutura precária num dos palácios mais ilustres da Europa de então. À volta da Real Barraca construiu-se o primeiro jardim botânico de Lisboa, enquadrada na paisagem do Tejo e encabeçada pela Capela Real, também ela em madeira.
O rei D. José ali viveu até à sua morte, em 1777, tendo a estrutura alcançado prestígio social na Corte, sendo ali que se definiram as bases para a Lisboa que hoje temos. No entanto, a construção era perene e com o tempo dava sinais de desgaste, pelo que se teve de repensar o modelo de habitação da Família Real, surgindo nessa altura planos para se construir no local um imenso palácio em pedra.
Da Real Barraca, hoje apenas resta a torre com o galo, por ter sido a única estrutura em pedra, e que na altura estava envolvida completamente pelo palácio. Depois da morte do rei, a sua filha e sucessora encontrava-se a viver no recém adaptado Palácio de Queluz, pelo que a velha barraca ficou em situação cada vez mais precária, tendo sido completamente destruída num incêndio acidental em 1794. D. João II ordenou mais tarde a construção de um novo palácio no local, seguindo os projetos que há muito se estavam a preparar.
Torre do Galo: o único vestígio da Real Barraca da Ajuda
Junto ao palácio da Real Barraca, foi construída uma capela em madeira, que substituiu a Igreja Patriarcal, muito abalada pelo terremoto. Com traço de Elias Sebastião Pope, a Capela Real tinha o único elemento em alvenaria de todo o conjunto real, a sua torre sineira, que foi projetada por Manuel Caetano de Sousa. A Capela Real começou a ser construída em 1792 e funcionou como Patriarcal de Lisboa até 1833, altura em que se passou a usar a Sé de Lisboa para o mesmo efeito.
A Capela Real foi mandada demolir no séc. XIX, restando apenas a torre do relógio ou torre sineira, que é hoje uma imagem de marca do Bairro da Ajuda, apesar da sua localização que hoje parece peculiar. Com uma altura considerável e junto ao Palácio Nacional da Ajuda, a torre tem oito sinos e um catavento em forma de galo na cúpula, tendo no geral uma morfologia bastante semelhante à que podemos ver no Palácio das Necessidades e no Palácio de Mafra.
Assim, se alguma vez se perguntou por que razão está aquela torre tão deslocada do conjunto do Palácio da Ajuda, já sabe a resposta: esta estrutura pertencia à Real Barraca de D. José, sendo a única coisa que desse tempo sobreviveu.
‘decidiu’?!…
Por débito à Verdade, na narrativa história dever-se-á dizer ‘fugiu com o real rabinho entre as pernas’.
‘decidiu’?!…
Por débito à Verdade, na narrativa histórica dever-se-á dizer ‘fugiu com o real rabinho entre as pernas’.
(correcção ao comentário anterior)