A cidade do Porto, conhecida pelo seu dinamismo e património, foi palco de um relacionamento único entre os seus habitantes e D. Pedro IV. Apesar de muitos reis terem deixado marcas ao longo da História de Portugal, poucos estabeleceram laços tão profundos com uma cidade. A doação do coração de D. Pedro IV ao Porto simboliza este laço e permanece como prova de uma devoção mútua.
D. Pedro IV nasceu a 12 de outubro de 1798 em Queluz, filho de D. João VI, rei entre 1816 e 1826, e de D. Carlota Joaquina. Durante a sua juventude, viveu um período conturbado, marcado por tensões políticas e pela transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808. Cresceu num clima de mudança que viria a moldar o seu destino político.
O reinado de D. Pedro em Portugal foi breve: subiu ao trono em 1826, mas rapidamente abdicou. No Brasil, porém, ganhou relevância como primeiro imperador, sob o nome de D. Pedro I, e consolidou uma imagem de liberal convicto.
A fama de conquistador acompanhou D. Pedro IV ao longo da vida. Do primeiro casamento, com D. Maria Leopoldina de Habsburgo, resultaram nove filhos (embora nem todos tenham sobrevivido), e o segundo, com D. Amélia de Beauharnais, gerou mais uma filha. Fora destes enlaces, nasceram também descendentes ilegítimos, reforçando a reputação de homem de paixões fortes.
O período em que o Porto esteve para sempre ligado a D. Pedro IV decorreu durante as lutas liberais de 1832-1833. A cidade sofreu o cerco das tropas miguelistas, enfrentou privações e viveu situações dramáticas.
Neste contexto, a lealdade e a coragem dos portuenses despertaram no monarca um profundo sentido de gratidão. A resistência da urbe inspirou-o e provou o empenho local em defender os ideais liberais, o que o impressionou profundamente.
Quando a vitória liberal finalmente se consumou, D. Pedro IV quis demonstrar a sua gratidão. Em 1833, a cidade voltou a respirar liberdade, mas as marcas da guerra civil mantinham-se visíveis na sua paisagem e na memória coletiva.
Apesar do desgaste provocado pelo cerco, o Porto não foi vencido. Foi por isso que D. Pedro IV decidiu visitar a Invicta, como refere a Ncultura, e exaltar as qualidades de um povo que, em apenas um ano, demonstrara uma enorme determinação.
Esta visita oficial decorreu entre 26 de julho e 6 de agosto, marcada por cerimónias de cariz civil, militar e religioso. Entre elas, destacou-se a entrega das chaves da cidade à Rainha D. Maria II, numa cerimónia onde participaram diversas figuras públicas.
Na Igreja da Lapa, realizou-se um “Te Deum” para celebrar o fim do cerco e prestar homenagem aos que resistiram. Durante este período, solidificou-se a profunda união entre o monarca e a população portuense.
O ato que eternizou este sentimento chegou algum tempo depois: D. Pedro IV manifestou em testamento o desejo de que o seu coração ficasse guardado na Igreja da Lapa, em sinal de apreço pelo Porto. O depósito do órgão concretizou-se em 1835, cumprindo a vontade do rei-soldado de perpetuar o amor que nutria pela Invicta.
Mais tarde, em 1837, um decreto redigido por Almeida Garrett determinou que as Armas da cidade passassem a incluir o coração em ouro de D. Pedro. O símbolo passou a figurar ao centro de um escudete de púrpura, sobrepujado por uma coroa de duque e encimado pelo dragão negro das antigas armas reais, além de conceder ao Porto o título de “Invicta”.
Este episódio constitui uma das mais notáveis histórias de afeto entre um rei e uma cidade. O cerco de 1832-1833, as privações vividas pelos habitantes e o valor demonstrado em defesa do liberalismo contribuíram para esta ligação especial. A Invicta, que já se distinguiu em inúmeros momentos da História, ganhou, assim, um testemunho único de reconhecimento real.
D. Pedro IV morreu a 24 de novembro de 1834, em Lisboa, mas o seu coração permanece no Porto, lembrando o laço que uniu rei e povo numa altura decisiva para Portugal.
O legado deste monarca vive não só na memória coletiva de portugueses e brasileiros, mas também no património emocional da cidade, que conserva um símbolo raro de gratidão: o órgão de um rei que não quis afastar-se daqueles que o apoiaram.
Hoje, ao passear nas ruas do Porto, sente-se ainda o peso do património histórico deixado por D. Pedro IV. A Igreja da Lapa acolhe o seu coração, recordando a força dos portuenses no passado e a coragem que moldou o carácter desta cidade.
Mais do que um destino turístico, o Porto guarda no seu seio uma prova de amor e respeito, mantida viva pela memória de um rei que nunca esqueceu as suas gentes.