Nunca, na história do nosso país, um príncipe herdeiro foi tão preparado para governar. Instruído numa noção voluntarista da governação e tendo o bem em prol da coisa comum em mente, algo aprendido com o seu tutor, Alexandre Herculano, adquiriu também competências técnicas, políticas e culturais com o seu pai, que ficou conhecido como o Rei-artista e que promovia a arte, através dos mestres por ele contratados. O príncipe em questão era D. Pedro V, Príncipe Real e Duque de Bragança, que dominou desde cedo o francês, alemão, grego, latim e inglês.
Foi batizado como Pedro de Alcântara Maria Fernando Miguel Rafael Gonzaga de Saxe-Coburgo-Gotha e Bragança. D. Pedro era ainda muito jovem quando ascendeu ao trono de Portugal, em consequência da morte da sua mãe, D. Maria II, que não tinha resistido ao parto do seu 11º filho. O príncipe tinha apenas 16 anos, pelo que a regência até à sua maioridade ficou a cargo do seu pai, D. Fernando II de Saxe-Coburgo-Gotha-Koháry.
Foi um dos monarcas mais cultos do seu tempo, e o que mais trabalhou pela cultura em Portugal. Mas, para muitos, é quase desconhecido. Durante o seu curto reinado, inauguraram-se os primeiros quilómetros da linha férrea do Norte, em 1856: fundou-se o Curso Superior de Letras, em 1859; lançaram-se as primeiras linhas telegráficas (1859) e iniciou-se o primeiro cabo submarino, entre Lisboa, Açores e os Estados Unidos.
Um ano depois da morte da sua mãe, D. Pedro, juntamente com o irmão D. Luís (que viria a ser Rei) visitou a Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Holanda e Áustria. Em 1855, tomou contacto com a realidade vivida na França, em Nápoles, na Santa Sé e na Suíça.
As viagens não são de lazer, mas sim para aprender e ter contacto com os maiores políticos e homens de cultura do seu tempo. O rei lia imenso, desde livros a revistas generalistas e de economia.
Todas estas viagens vieram complementar os ensinamentos dados pelos seus professores, dando ao monarca um conhecimento da arte de governar excecional tanto no nosso país como além-fronteiras.
A sua inteligência superior e cultura excecional é bem atestada pelo diário que escreveu ao longo da sua viagem, pelos artigos que publicou nas revistas Militar e Contemporânea, e pelas cartas enviadas ao conde de Lavradio e ao príncipe Alberto de Inglaterra.
Apesar de jovem, a sua personalidade era forte e equilibrada, sendo D. Pedro extremamente culto e ciente das responsabilidades inerentes ao seu cargo. Infelizmente, acabou por não ter tempo de mostrar tudo o que tinha para oferecer aos seus súbditos.
A famosa Caixa-Verde de D. Pedro V
Foi este rei que tomou uma atitude inédita na política, e que ficou para a história. Segundo Oliveira Martins, “Tinha em tanta conta os que o rodeavam, cria tanto neles, que mandou pôr à porta do seu palácio, uma caixa verde, cuja chave guardava, para que o seu povo pudesse falar-lhe com franqueza, queixar-se, acusar os crimes dos governantes.”
A caixa, no entanto, teve de ser retirada, pois em vez de pedidos e queixas, chegavam insultos e palavras injuriosas, embora provavelmente não tenha sido o povo a escrever essas injúrias, mas sim a classe política.
Uma educação esmerada
Pedro V ficou com fama de sobredotado, graças às suas capacidades intelectuais e à sua rapidez de aprendizagem. O seu grande mestre foi Alexandre Herculano, embora tenha tido outros professores. Aos 10 anos, teve como mestra D. Maria Carolina Mishisch, a quem se seguiu Martins Basto. Aprendeu latim e, com apenas 6 meses de estudo, traduz Eutrópio e Fedro. Aos 12 anos, consegue já traduzir para português textos de Virgílio, Tito Líveo e Cícero. Aprende depois pintura, filosofia e línguas vivas.
Tinha também uma sensibilidade e dedicação invulgares: quando o seu pai estava doente, passava grande parte do dia junto ao seu leito, a ler-lhe artigos publicados em jornais, para o entreter e manter informado do que se passava.
O estranho caso de Josefina
Acabado de chegar de Inglaterra, em agosto de 1855, e a semanas de ser aclamado rei, D. Pedro V é surpreendido pela estranha presença de uma bonita rapariga no seu quarto, no Palácio das Necessidades. A jovem era Josefina, filha de um dos oficiais da secretaria do Paço, que vivia na Rua do Livramento a Alcântara, e que não conseguiu justificar a sua presença nos aposentos do futuro rei.
A situação era embaraçosa para ambos, já que as duvidosas intenções de um cortesão em alcovitar futuras benesses do jovem monarca forçara a pobre Josefina a esta situação. Vendo a angústia da jovem, que estava já no limiar das lágrimas, D. pedro finge, piedosamente, entender que ela apenas se teria enganado na porta.
O casamento de D. Pedro V com D. Estefânia
A 29 de abril de 1858, D. pedro V casou com D. Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen por procuração, assinada em Berlim, na igreja de Santa Edviges. A noiva foi “encontrada” pela rainha Vitória de Inglaterra, que, por tanto admirar D. pedro, procurou em todas as casas reais europeias uma princesa à sua altura. A princesa chegou a Portugal pouco tempo depois, tendo o enlace real sido celebrado em Lisboa a 18 de maio do mesmo ano.
A rainha cativou o povo português com a sua simpatia e bondade. O rei, esse, também se enamorou por ela, sendo correspondido pela esposa, achando ambos que eram feitos um para o outro. Este estado de graça, no entanto, durou pouco tempo. A 17 de julho de 1859, a rainha acabou por falecer, vítima de difteria, o que foi um duro golpe para o monarca.
O casal não teve filhos, e D. pedro V não voltou a casar, o que deixava a questão da sucessão em aberto. Em homenagem à rainha que tanto amou, o rei fundou um hospital com o seu nome, em Lisboa.
O Amor de D. Pedro V pelo Povo
Entre 1855 e 1856, uma epidemia de cólera espalhou-se por Lisboa, seguindo-se a febre-amarela. Parte da população fugiu para a província, mas D. Pedro não só recusou abandonar a capital, como visitou hospitais, entrou nas enfermarias e conversou com os doentes. Sabendo que muitas crianças ficaram órfãs, auxiliou-as, pagando despesas do seu próprio bolso.
Nas suas exéquias, Alves Mendes afirma, a certo momento: “É em vão que alguém o aconselha para que mudasse de sistema. Não! Dizia ele a seus ministros: diante da crise que dizima meus povos, não será meu coração que descanse, nem meu braço que deixe de trabalhar! …”
A morte prematura
Em meados de 1861, o rei foi para Vila Viçosa. Ali esteve pouco tempo, tendo voltado a Lisboa, percorrendo várias localidades pelo caminho, onde foi acaloradamente recebido pelo povo. Chegado a Lisboa, sente-se mal e acaba por falecer passados poucos dias, a 11 de novembro de 1861. Morreu viúvo e sem filhos. E assim terminava o reinado d’O Esperançoso, ficando a sensação de que, para além de se ter perdido um grande homem, a nação não pôde usufruir, em pleno, das suas capacidades governativas enquanto rei.
Diz-se que o desgosto em perder o seu pupilo foi tão grande que Alexandre Herculano terá chorado como uma criança no seu funeral. Aliás, para Alexandre Herculano, D. Pedro V possuía alma pura e uma nobreza excecional. Ficou conhecido como “Muito Amado”, por muito ter amado a Pátria e por esta muito o ter amado. Jaz no Panteão Real da Dinastia de Bragança, em São Vicente de Fora, em Lisboa.
Quando os governantes eram preparados para o ser desde tenra idade e eram acompanhados pelo Povo desde o seu nascimento e ao longo da vida que, assim, os aprendia a amar como se de família próxima se tratasse. Nem todos eram bons, é certo, mas estavam sujeito ao julgamento público e a meios legais de eventual deposição. Eram símbolo da Pátria e, como tal, não mudavam de 5 em 5 anos, nem podiam estar sujeitos a eleição. Um símbolo tem que o ser para toda a vida. Hoje, os reis europeus não governam mas continuam a ser um símbolo de unidade e continuidade do País e do Povo. E veja-se como são desenvolvidos os países que os mantiveram!… Já em Portugal, houve necessidade de duas correções revolucionárias ao regime republicano, em 1926 e 1974, e, mesmo assim, muitas das doenças infantis da república continuam por resolver.