Há 770 anos, um rei português foi “demitido”, devido às queixas de nobres e bispos, que diziam que D. Sancho II não era apto para governar. Face às provas apresentadas, o Papa Inocêncio IV dispensou os portugueses do dever de obediência ao seu rei, sendo este substituído pelo irmão.
D. Sancho II subiu ao trono de Portugal quando tinha apenas 14 anos, em 1223. Passou o seu reinado em guerra com os muçulmanos, tendo por isso desprezado as tarefas de governo do território. Era um homem valente, que conquistou muitos territórios aos muçulmanos, como cidades e castelos. No entanto, deixou que o reino caísse na desordem, infestado por bandos de salteadores, o que levou nobres e bispos a acusar o rei de “não fazer justiça nenhuma”.
O mal-estar com o Rei de Portugal aumentou quando este se casou com uma aristocrata espanhola, de quem ainda era primo: D. Mécia Lopes de Haro, que já tinha sido casada, mas ficara viúva ainda jovem. A futura rainha de Portugal era filha de Lopo Dias de Haro, um poderoso nobre da Biscaia, e de D. Urraca, filha bastarda de Afonso IX de Leão e meia-irmã de Fernando III de Castela.
Encantado pela beleza de Mécia, D. Sancho II encheu-a de riquezas, tendo-a tornado senhora de diversos domínios em Portugal: Torres Vedras, Sintra, Ourém, Abrantes, Penela, Lanhoso, Aguiar de Sousa, Celorico de Basto, Linhares, Vila Nova de Cerveira e Vermoim.
Se já os nobres estavam descontentes com o rei, após o casamento deste, o povo, que vivia na miséria, passou a odiar a rainha. Assim, apesar de o casamento entre parentes ser frequentes nas cortes ibéricas, bastando apenas uma dispensa papal para se realizar o matrimónio, os nobres e bispos portugueses aproveitaram-se da consanguinidade do casal real para dar novo fôlego à conspiração contra o rei. Escreveram ao papa Inocêncio IV denunciando a situação, e em fevereiro de 1245, o Papa declarou o casamento nulo e ordenou a separação do casal.
No entanto, D. Sancho II não acatou a ordem de separação, o que levou os seus inimigos, chefiados pelo irmão do rei, o infante D. Afonso, a redobrarem a intriga junto do Papa. A 24 de julho de 1245, D. Sancho II foi declarado “Rex Inutilis”, tendo sido responsabilizado pela anarquia social do país. Através da bula “Grandi non immerito”, D. Sancho II foi deposto do trono, passando os portugueses a dever obediência a D. Afonso, que se tornava assim regente de Portugal.
D. Sancho II resiste mesmo assim, e a guerra civil devasta o país. Em 1246, D. Afonso conquista Santarém, Alenquer, Torres Novas, Tomar, Alcobaça e Leiria; Sancho II fortifica-se em Coimbra. A Covilhã e a Guarda ficam nas mãos de Afonso.
Em desespero, D, Sancho II procura que os castelhanos intervenham na guerra civil, depois da conquista de Jaén. Afonso de Castela acaba por entrar em Portugal a 20 de dezembro, tomando Covilhã e a Guarda e derrotando a 13 de janeiro de 1247 o exército de D. Afonso.
Apesar da vitória, era já tarde demais para D. Sancho II. No verão de 1246, quando a Corte se encontrava em Coimbra, um grupo de cavaleiros entrou no Paço e raptou a Rainha, que foi levada para o castelo de Ourém. D. Sancho reuniu um exército para a libertar, cercando a vila. No entanto, a rainha recusou voltar com ele, aderindo assim ao partido de D. Afonso.
Este escândalo foi decisivo, tendo D. Mécia sido acusada de ter anuído ao rapto, em conluio com o cunhado D. Afonso, e tendo o rei sido acusado de ser impotente, por não haver filhos do casamento entre ele e a rainha. Assim, apesar de Afonso de Castela não ter perdido nenhuma das batalhas contra D. Afonso, o regente de Portugal, acabou por recuar nas suas intenções e levar consigo para Castela D. Sancho II, já que a pressão papal aumentava.
Assim partiu o rei para o seu exílio, nos domínios do seu primo Fernando III de Castela, tendo acabado por falecer a 4 de janeiro de 1248 em Toledo. Foi sepultado com o capelo de frade que usava desde a sua juventude.
Só a partir daí o seu irmão passou a usar o título de D. Afonso III. D. Mécia Lopes de Haro foi enviada de Ourém para a Galiza, e dali para Castela, tendo falecido em 1270 ou 1271 em Palência, tendo sido sepultada no Mosteiro de Santa Maria, em Najera.
Mas nem todos os nobres portugueses acolheram de braços abertos o sucessor de D. Sancho II. Reza a lenda que, depois da partida de D. Sancho para o exílio, o alcaide de Coimbra, Martim de Freitas, se recusou a entregar as chaves da cidade a D. Afonso, que cercou assim Coimbra com o seu exército.
Em janeiro de 1248, o alcaide foi informado da morte de D. Sancho II, pedindo assim umas tréguas para se certificar pessoalmente da morte do anterior rei. Foi a Toledo, mandou levantar a pedra do túmulo e confirmou que lhe tinham dito a verdade. Depositou as chaves da cidade nos braços de D. Sancho II e voltou para Coimbra.
Mandou abrir as portas da cidade, dizendo à mulher e à filha “Deixemos este castelo a cujo é.” D. Afonso III ainda o convidou a continuar a governar o castelo, comovido pela sua lealdade, mas este recusou. E assim se explica por que razão um rei português se encontra sepultado em Espanha.