A história da exploração marítima está repleta de nomes que ficaram gravados na memória coletiva, mas nem todos os grandes feitos tiveram o devido reconhecimento.
Entre eles, destaca-se a enigmática figura de David Melgueiro, um navegador português que, séculos antes de outros exploradores, terá atravessado a temida Passagem do Nordeste, ligando o Pacífico ao Atlântico pelo Ártico. Apesar da magnitude da sua proeza, o seu nome permanece à margem dos livros de história.
Enquanto navegadores como Magalhães ou Cook foram imortalizados, David Melgueiro nunca teve direito a um estreito ou mar com o seu nome, apesar de ter feito algo que se julgava impossível.
Entre 1660 e 1662, este português terá liderado uma expedição inédita, ligando o Japão a Portugal através dos mares gélidos do Norte. A confirmar-se, este feito teria antecipado em mais de dois séculos a travessia bem documentada do sueco-finlandês Erik Nordenskiöld.
A ausência de registos detalhados levanta dúvidas sobre a veracidade desta travessia, mas há indícios que sugerem que Melgueiro terá percorrido a rota ao serviço da coroa holandesa.
Muitos acreditam que a viagem foi mantida em segredo para evitar que outras nações explorassem a mesma alternativa às perigosas rotas do sul, onde os piratas e os navios inimigos eram uma ameaça constante.
As informações sobre a expedição de David Melgueiro chegam-nos através do testemunho de um espião francês, La Madeléne, que terá ouvido a história de um marinheiro que navegou com o português.
Segundo este relato, Melgueiro zarpou da ilha de Tanegashima, no Japão, a 14 de março de 1660, a bordo da nau Pai Eterno. Transportando passageiros espanhóis e holandeses, bem como riquezas orientais, evitou os caminhos tradicionais e seguiu em direção ao desconhecido.
Desafiando as condições extremas, navegou pelo estreito de Anian (atual estreito de Bering), atravessando o Oceano Glacial Ártico até aos 84º de latitude.
Passou entre as ilhas de Spitsbergen e a Gronelândia, desceu em direção à Irlanda e à Inglaterra, até aportar na Holanda. Depois, embarcou para o Porto, completando assim um percurso que demorou dois anos.
A viagem de Melgueiro foi possível devido a um ano excecionalmente quente, que abriu temporariamente as águas normalmente geladas. Ainda assim, a expedição enfrentou desafios colossais: temperaturas gélidas, icebergs traiçoeiros e um desconhecido que testava os limites da navegação da época.
A viagem permaneceu envolta em mistério, mas há indícios de que a chancelaria holandesa e a Biblioteca de Paris possuem documentos que mencionam a expedição.
Curiosamente, outros tentaram a mesma rota e falharam. Willem Barents e Vitus Bering, por exemplo, perderam a vida nas suas tentativas de superar o Árctico.
Outro português, João Martins, tentou a mesma travessia em 1585, transportando D. Lourenço Maldonado, mas foi obrigado a regressar a Lisboa devido a uma tempestade.
Se Melgueiro conseguiu mesmo atravessar a Passagem do Nordeste, porque não recebeu reconhecimento? A resposta pode residir no secretismo comercial e estratégico da época.
Os holandeses, grandes impulsionadores da navegação, tinham interesse em manter rotas comerciais exclusivas, evitando que outros exploradores seguissem os mesmos caminhos.
Apesar do silêncio da história oficial, Melgueiro não foi completamente esquecido. O seu nome foi atribuído a uma rua em Lisboa, e, no século XXI, surgiu uma associação dedicada a homenagear a sua façanha e a alertar para os desafios ambientais dos oceanos.
Durante o Estado Novo, a sua memória foi resgatada simbolicamente com o batismo do maior arrastão bacalhoeiro português, lançado ao mar em 1951. Este navio, curiosamente, protagonizou a maior captura de bacalhau registada na altura, um feito digno da grandeza do homem que lhe deu nome.
A história de David Melgueiro continua a ser uma das grandes incógnitas da navegação portuguesa. Terá sido realmente o primeiro a atravessar o Árctico? Ou será apenas uma lenda perdida nos mares do tempo?
O certo é que o seu nome merece ser recordado, pois, verdadeiro ou não, representa o espírito destemido dos navegadores portugueses, que ousaram desafiar o impossível.