A 1 de Novembro de 1755, um terramoto de enorme intensidade, seguido de maremoto e incêndios, devastou Lisboa. A destruição foi tal que poucos edifícios se mantiveram de pé. Muitos dos que resistiram acabariam por ser demolidos nas décadas seguintes, à medida que a cidade se modernizava.
No entanto, ainda existem exemplares anteriores ao sismo, sobretudo em Alfama, um dos bairros mais antigos de Lisboa. Apesar de ter sofrido alterações ao longo dos tempos, Alfama conserva ainda pequenas relíquias do período pré-terramoto.
Situado numa encosta da cidade, Alfama é considerado um dos bairros mais antigos da Europa, apenas ultrapassado por El Pópulo, em Cádis. Ao longo dos séculos, albergou populações muito diversas: foi uma judiaria, uma comunidade de pescadores e é hoje um bairro singular, onde a vida decorre a um ritmo muito próprio. A sua teia de ruas estreitas e a disposição irregular das casas reflectem a Lisboa anterior à grande reconstrução pombalina.
Após o terramoto de 1755, o Marquês de Pombal liderou um profundo processo de renovação da cidade, impondo novas normas urbanísticas. Os edifícios que resistiram ao sismo foram destruídos para dar lugar à malha ordenada e às construções pombalinas, mais seguras e funcionais. Contudo, Alfama manteve-se relativamente protegida desses planos, salvando um património que hoje desperta curiosidade.
É neste bairro que se encontra aquela que é considerada a casa mais antiga de Lisboa. A sobrevivência desta habitação deve-se, em grande medida, aos sólidos alicerces que assentam na colina mais elevada da cidade, prolongando-se até ao bairro da Graça. A localização elevada, associada à solidez da construção, permitiu ao edifício resistir à violência do terramoto e às transformações que a capital sofreu de seguida.
A casa situa-se na Rua dos Cegos, a S. Tomé. Trata-se de um edifício quinhentista, identificável pelo ressalto no primeiro piso. Esta solução arquitetónica — um piso superior que avança sobre o rés-do-chão — era frequente na Lisboa medieval e renascentista. Embora atualmente seja rara, a presença deste elemento recorda uma época em que muitas outras casas da cidade exibiam uma estrutura semelhante.
Durante o século XX, particularmente na década de 1940, vários edifícios semelhantes foram demolidos, fazendo desta casa um dos últimos exemplos deste tipo de construção.
A fachada exibe um painel de azulejos do século XX, executado ao estilo seiscentista. Representa uma cópia de um frontal de altar, com uma custódia ladeada por dois anjos. Estes painéis eram frequentemente pintados por pessoas sem grande formação artística, o que lhes conferia um carácter muito espontâneo.
Os contornos eram definidos a manganês, e o conjunto apresentava imperfeições que hoje são valorizadas como testemunho de uma produção artesanal menos padronizada. Acredita-se que este painel possa ter feito parte de um altar seiscentista, sendo mais tarde reutilizado para decorar a fachada da casa.
A conjugação entre o traço arquitetónico do edifício e o painel de azulejos contribui para a singularidade desta construção. Por um lado, o ressalto do primeiro piso remete para uma época em que Lisboa tinha um aspeto muito diferente do atual.
Por outro, o painel de azulejos, ainda que mais tardio, ajuda a contar uma história de reutilizações e adaptações ao longo dos séculos. Esta sobreposição de camadas, quer arquitetónicas, quer decorativas, é uma das características que tornam Alfama num bairro tão peculiar.
Este imóvel, de dimensões modestas, não procura impressionar pela sua grandiosidade. A sua importância reside no valor histórico que transporta. Numa cidade onde o terramoto de 1755 constitui uma espécie de fronteira entre a Lisboa antiga e a Lisboa moderna, encontrar um edifício que remonta ao período anterior ao desastre é como descobrir um fragmento de um puzzle incompleto.
É um testemunho da forma como se vivia e construía antes do sismo, bem como da capacidade de certos edifícios resistirem às convulsões da história.
Embora a reconstrução pombalina tenha moldado a imagem que hoje associamos à Baixa de Lisboa, bairros como Alfama oferecem uma perspetiva diferente. Aqui, as ruelas estreitas, os desníveis acentuados e as casas antigas, como esta, recordam uma Lisboa mais antiga, mais próxima das suas origens.
Assim, a casa mais antiga de Lisboa não é apenas um ponto de interesse arquitetónico: é um marco que, ao sobreviver às catástrofes e à modernização, nos ajuda a compreender melhor a complexa história da capital portuguesa.