Já se terá deparado alguma vez com a expressão italiana “non fare il portoghese”? Embora não seja muito comum nos dias de hoje, ainda é conhecida em Itália. Traduzida literalmente significa “não sejas português”, o que, à primeira vista, pode soar ofensivo e sugerir que os portugueses seriam vistos como pessoas que não pagam os serviços de que usufruem.
A explicação para o surgimento deste dizer remonta, porém, ao século XVI, sendo que o seu sentido original difere bastante do significado que mais tarde lhe foi atribuído.
A disseminação da expressão ocorreu em Itália, estendendo-se depois por toda a península Itálica, acabando por associar a ideia de quem não paga a sua entrada num espetáculo ou evento ao ser “português”. Assim, criou-se uma ligação entre o “não pagar” e o “ser português”, perpetuando um estereótipo negativo.
No entanto, se recuarmos à época em que este dito surgiu, percebemos que não traduz a verdadeira intenção inicial, funcionando antes como um exemplo de como um acontecimento histórico pode dar origem a um provérbio que, ao longo do tempo, desvirtua os factos originais.
A origem situa-se em Roma, numa altura em que Portugal ocupava um lugar de destaque no panorama europeu. Nesse período, os Descobrimentos haviam projetado o nome do reino português além-mar, tornando-o numa das potências mais notáveis do mundo.
Especiarias, ouro, pérolas, madeiras exóticas e outros produtos valiosos chegavam aos portos portugueses, enriquecendo a coroa e conferindo a D. Manuel I uma posição privilegiada entre os soberanos da época. Para além das riquezas materiais, chegavam também a Lisboa animais exóticos que despertavam a curiosidade e o fascínio europeu.
Quando Leão X subiu ao papado, D. Manuel I decidiu enviar-lhe um presente impressionante, digno da reputação de Portugal. Assim, organizou uma embaixada com jóias, animais raros e produtos valiosos.
Entre as criaturas enviadas encontravam-se papagaios, macacos, cavalos persas, uma pantera e, de forma ainda mais marcante, um elefante. Também se incluiu inicialmente um rinoceronte, animal quase desconhecido na Europa, mas que não sobreviveu à viagem.
A chegada desta oferta a Roma, a 12 de março de 1514, causou sensação na cidade papal, impressionando profundamente o Papa Leão X e a corte romana.
Em reconhecimento pela grandeza do presente, o Papa decidiu conceder uma regalia aos portugueses: a entrada gratuita em diversas festas e espetáculos realizados em Roma. Não era necessário apresentar bilhete, nem qualquer tipo de documento. Bastava afirmar a nacionalidade portuguesa para garantir a entrada livre.
Este gesto, visto como um sinal de apreço e respeito por Portugal, colocou os portugueses numa posição privilegiada. A partir dessa data, dizer “sou português” equivalia a uma espécie de senha que abria as portas do entretenimento romano sem custos adicionais.
Contudo, não tardou a surgir um aproveitamento oportunista. Ao saber-se desta facilidade, muitas pessoas que não tinham qualquer ligação a Portugal decidiram fingir que eram portuguesas. Com isto, pretendiam entrar nos eventos sem pagar. A expressão “io sono portoghese” tornou-se uma forma de fraude para escapar ao pagamento.
Aos poucos, a ideia de “não pagar fazendo-se passar por português” começou a espalhar-se, dando origem à expressão “non fare il portoghese” – uma advertência contra a tentativa de obter algo gratuitamente através do engano.
Assim, o que hoje pode parecer um insulto ou uma crítica ao carácter português era, na sua génese, o resultado de um privilégio concedido pelo Papa, um benefício que atestava o prestígio de Portugal no contexto internacional do século XVI. A expressão sobreviveu ao passar dos séculos, mas a maior parte das pessoas desconhece as circunstâncias que a originaram.
Com o tempo, perdeu-se a referência ao momento histórico e ao sentido original, mantendo-se apenas a ideia de associar o “português” a alguém que entra sem pagar.
Atualmente, a expressão é pouco utilizada e muitos italianos já não sabem de onde provém. Para quem a ouve pela primeira vez, pode parecer apenas um insulto ou um preconceito injustificado.
No entanto, conhecer a história por detrás da expressão “non fare il portoghese” permite compreendê-la num contexto histórico muito diferente daquele que se possa imaginar hoje.
Longe de representar um traço negativo do povo português, recorda um episódio em que Portugal foi homenageado e invejado pela sua influência e poder, ao ponto de o nome do país se tornar uma palavra-chave para aceder livremente ao lazer e à cultura da capital pontifícia .