A presença histórica dos fijus di terra na região da Casamansa, no sul do Senegal, remonta ao século XV, quando os navegadores portugueses chegaram à costa ocidental de África e fundaram entrepostos comerciais em zonas como Cacheu, Bissau e Ziguinchor.
Destas relações económicas e culturais com os povos locais resultou uma população mestiça que adoptou o catolicismo e o português como elementos fundamentais da sua identidade. Hoje em dia, os fijus di terra mantêm uma ligação profunda com a herança lusófona, apesar dos desafios políticos e sociais que enfrentam.
Desde o início da colonização, os portugueses instalaram-se em vários pontos estratégicos ao longo da costa. Nestes entrepostos, contraiam matrimónio com mulheres africanas, dando origem a descendências mestiças que conservaram alcunhas, hábitos religiosos e traços da cultura europeia.
A língua crioula emergiu naturalmente deste encontro de civilizações, evoluindo para o crioulo de Casamansa. Ao mesmo tempo, os fijus di terra marcaram a diferença em relação a outros grupos étnicos pela prática do catolicismo, pelas roupas mais próximas do estilo ocidental e pelo uso de termos herdados da língua de Camões.
A lealdade dos fijus di terra a Portugal manteve-se firme nos períodos em que potências como a França, a Inglaterra ou a Holanda disputavam territórios na região. Esta fidelidade não impediu, no entanto, que, em 1886, Portugal cedesse a Casamansa à França, alterando drasticamente o panorama político. Ainda assim, a comunidade continuou a valorizar o crioulo de base portuguesa e a tradição católica.
Séculos mais tarde, o governo senegalês reconheceu-os como um grupo específico, conferindo-lhes direitos como a possibilidade de ensinar e aprender português nas escolas públicas, bem como de participar na vida política e religiosa ligada à lusofonia.
A língua crioula dos fijus di terra, também conhecida como crioulo de Casamansa, é falada sobretudo em Ziguinchor, capital regional, mas encontra-se igualmente noutros locais, como Oussouye, Carabane e Djembering.
Trata-se de um crioulo de estrutura gramatical simples, porém com um léxico rico, que integra não só termos portugueses, mas também empréstimos do francês, do uolofe e de outras línguas regionais.
Por ter poucos falantes e sofrer a concorrência do francês (língua oficial do Senegal) e do uolofe (falado pela maioria da população), o crioulo de Casamansa encontra-se em risco de desaparecer, segundo a classificação da UNESCO.
Apesar destas dificuldades, existem projectos que procuram preservar este património linguístico e cultural. Um exemplo é o projeto Fidjus di Terra (Filhos da Terra), que fomenta o ensino e a divulgação do crioulo, incentiva a produção artística local e promove a cultura lusófona através de atividades educativas e culturais.
Existem também iniciativas individuais de investigação académica, dedicadas à documentação da língua, à elaboração de dicionários e à recolha de expressões orais.
Os fijus di terra enfrentam, no entanto, vários obstáculos no Senegal contemporâneo. O primeiro relaciona-se com o conflito armado que atinge a Casamansa desde 1982, marcado pela insatisfação dos movimentos separatistas que reclamam maior autonomia ou mesmo a independência da região.
A violência associada a este confronto provocou deslocações populacionais, dificultou o acesso a recursos e gerou pobreza, fatores que afetam todas as comunidades locais, incluindo os fijus di terra.
Outro desafio diz respeito à integração social e económica. Sendo o Senegal um país de maioria muçulmana e de língua oficial francesa, muitos fijus di terra sentem-se marginalizados ou discriminados, sobretudo porque as oportunidades de emprego, educação e participação política podem ser limitadas para grupos minoritários.
Em resposta, vários optam pela emigração, procurando melhores condições de vida em nações como a Guiné-Bissau, a França ou o Brasil. Este êxodo tende a enfraquecer os laços culturais com a Casamansa, pois o contacto diário com o crioulo e com as tradições católicas torna-se mais difícil no estrangeiro.
A preservação da identidade dos fijus di terra é, assim, um desafio constante. Entre a tensão política, as assimetrias sociais e o peso da globalização, a comunidade tenta manter viva a língua crioula, as celebrações religiosas e o legado cultural que remonta a várias gerações.
Trata-se de uma história de resistência e de apego às raízes lusófonas, que continua a moldar a vida de quem permanece na Casamansa e de todos os que, mesmo partindo, procuram manter acesa a chama do seu património singular.
O governo (através do Instituto Camões, por exemplo) devia interessar-se por este e outros vestígios vivos da nossa grande História e nossa cultura que intrepidamente sobrevivem em várias partes do mundo. Porque não comemorar o 10 de Junho nestes locais? Seia uma forma de mostrar aos governos desses países onde existem vestígios de antigas comunidades lusófonas que Portugal não as esquece.