A colonização de parte do Alentejo por colonos franceses no século XII é um episódio pouco divulgado, mas ilustra bem a diversidade de influências que moldaram a história de Portugal.
Nessa altura, o país encontrava-se em plena Reconquista, consolidando fronteiras e assegurando territórios conquistados aos muçulmanos. Com D. Sancho I no trono, procurou-se povoar e defender as extensas áreas a sul, oferecendo terras e privilégios a quem aceitasse partir para regiões por vezes inóspitas e vulneráveis a ataques.
Depois de D. Afonso Henriques ter conquistado vários castelos aos mouros e de ter estabelecido alianças com ordens militares, como os Templários, coube ao seu filho e sucessor dar continuidade a esta estratégia. D. Sancho I sabia que era crucial garantir uma presença cristã significativa em zonas até então despovoadas ou mal defendidas.
Assim, incentivou a vinda de estrangeiros, sobretudo franceses, que recebiam isenções fiscais, liberdade de culto e promessas de terras férteis. Muitos eram oriundos do sul de França, onde campeava a perseguição aos cátaros, considerados hereges pela Igreja Católica.
Estes colonos fixaram-se sobretudo na vasta Herdade da Açafa, doada aos Templários e situada na zona que corresponde hoje ao distrito de Portalegre. Para defender o território, construiu-se o castelo de Nisa, que se tornou um ponto de chegada para vários grupos vindos de França.
Entre 1199 e 1211, formaram-se povoações que passaram a ostentar nomes evocativos das suas origens, como Nisa (proveniente de Nice), Arêz (Arles), Montalvão (Montauban), Tolosa (Toulouse) e Alpalhão (Albi). Receberam forais atribuídos pelo rei ou pelos Templários, regulando direitos e deveres dos habitantes.
A influência francesa notava-se na língua, uma vez que muitos falavam dialectos próximos do occitano, e na prática religiosa, uma vez que alguns professavam o catarismo. Esta seita cristã, com ênfase numa vida simples e igualitária, recusava a autoridade papal.
As marcas culturais e económicas destes colonos reflectiram-se também no desenvolvimento agrícola, combinando técnicas de cultivo adaptadas às condições do Alentejo com os conhecimentos trazidos de França. A pastorícia floresceu, contribuindo para tradições que persistem até aos dias de hoje.
Um dos produtos típicos da região, o queijo de Nisa, terá raízes nesta prática pastoral herdada dos novos colonos, utilizando leite cru de ovelha coagulado com cardo.
A presença destes grupos teve, no entanto, vários obstáculos. Em primeiro lugar, a ameaça constante de retaliações muçulmanas não desapareceu subitamente; cercos e escaramuças eram frequentes, obrigando os recém-chegados a organizar a sua defesa ou a recorrer ao auxílio real.
Além disso, a Igreja Católica via os cátaros com grande desconfiança. As primeiras medidas oficiais contra a heresia intensificaram-se no século XIII, quando a Inquisição começou a perseguir quem se afastasse dos dogmas católicos.
Isto dificultou ainda mais a integração pacífica destes colonos, empurrando alguns para conflitos diretos ou para o abandono das povoações.
Outro desafio surgiu junto das comunidades portuguesas vizinhas, que, nem sempre satisfeitas com os privilégios concedidos aos forasteiros, disputavam terras e recursos.
Em certos casos, registaram-se tumultos que levaram à expulsão de famílias francesas das vilas alentejanas. Estes episódios de confronto tornaram-se mais frequentes à medida que a influência religiosa e administrativa dos Templários foi sofrendo abalos internos e externos.
Todas estas dificuldades acabaram por precipitar a saída de muitos imigrantes, que regressaram a França ou procuraram refúgio noutros locais. Alguns, contudo, acabaram por se integrar de forma gradual, adotando a língua e a religião locais, enquanto outros mantiveram discretamente a identidade cátara.
Vestígios dessa herança sobrevivem até hoje em alguns nomes de família e costumes rurais, embora a maior parte dos registos documentais se tenha perdido ao longo dos séculos.
Em suma, a colonização francesa do Alentejo no reinado de D. Sancho I demonstra como Portugal foi, desde cedo, um cruzamento de influências e oportunidades.
A chegada de colonos perseguidos nas suas terras de origem trouxe benefícios demográficos e económicos ao país, bem como novas culturas agrícolas e tradições que ainda se encontram arreigadas no Alentejo.
Apesar das tensões geradas pela diferenciação religiosa e pelos conflitos territoriais, esta experiência pioneira revela a complexidade do passado português, onde coexistiram crenças, línguas e modos de vida que se fundiram num património comum.
As comunidades de origem estrangeira (estes franceses, muçulmanos, judeus), que sempre contribuíram para o progresso do nosso país, acabaram, mais cedo ou mais tarde, por ser perseguidos e expulsos com graves consequências para Portugal. Qualquer semelhança com um certo fenómeno político-social atual não é pura coincidência.