Na genealogia dos madeirenses de uma classe social mais alta, os apelidos estrangeiros cruzam-se com frequência com os portugueses, sendo que a comunidade inglesa representa ainda hoje um peso enorme na economia regional. Durante décadas, o povo deste arquipélago viveu de cabeça curvada, não em relação ao continente, mas a tudo o que vinha de fora do país.
A Madeira foi ocupada por duas vezes por tropas inglesas, com a primeira a acontecer de julho de 1801 a janeiro de 1802, e a segunda de dezembro de 1807 a outubro de 1814, ou seja, 7 anos.
Não é de admirar, portanto, que a presença das tropas britânicas no Funchal tivesse uma certa influência nas relações entre o arquipélago e a Coroa portuguesa, que sempre teve em conta os interesses dos britânicos. O envolvimento militar britânico tem de ser contextualizado nas necessidades da Royal Navy, que pretendia impedir a execução dos movimentos navais franceses.
Em 1799, o brigadeiro-general Frederic Maitland, num relatório que fez ao ministro Henry Dundas, demonstrava a sua forte apreensão pela situação da ilha da Madeira face ao movimento dos corsários. Mas esta preocupação chegava também a Madrid, uma vez que Espanha iria usar as Ilhas Canárias como entreposto dos rendimentos anuais vindos da América.
Portanto, estava em causa a distribuição de poderes no Atlântico, com a ameaça espanhola a justificar a proposta de Maitland, que pretendia ocupar de imediato a ilha da Madeira. Dessa forma, o efeito surpresa seria o melhor, e quem ocupasse a Madeira em primeiro lugar estaria em vantagem, até porque os britânicos conheciam a apetência da ilha pelos franceses.
Em 1796, M.D’Hermand, cônsul francês em Madrid, propôs aos seus superiores a conquista da Madeira, por forma a pressionar Lisboa e tentar afastar Portugal da Aliança Inglesa, tendo a política de expansão de Bonaparte colocado a ilha como um alvo preferencial. Assim, a Royal Navy avançou com a tomada da Madeira.
Após a primeira ocupação, entre 1801 e 1802, os ingleses voltaram à ilha em dezembro de 1807. Tendo as forças militares desembarcado, logo o general britânico Guilherme Carr Beresford comunicou ao governador e capitão-general da Madeira que este deveria fazer a imediata entrega do arquipélago, algo a que o governador prontamente acedeu.
Esta situação acabou por se manter até à assinatura do Tratado de Restituição da Madeira, a 16 de março de 1808, cuja cópia chegou ao arquipélago em finais de abril. Nessa altura, o arquipélago foi devolvido à administração civil, e Beresford seguiu para Lisboa em agosto desse mesmo ano.
No entanto, uma guarnição britânica permaneceu no arquipélago até setembro de 1814, quando se assinou o Tratado de Paz entre a Grã-Bretanha e a França. Com o fim da Guerra Civil Portuguesa, em 1834, e com a assinatura da Convenção de Evoramonte, no mesmo ano, cessou a nomeação de governadores e capitães-generais para este arquipélago, tendo sido inicialmente criado o lugar de Prefeito e, em 1835, o de governador civil, a par de um governador militar.
Graças à ocupação, os ingleses foram os únicos estrangeiros a conseguir assumir uma posição privilegiada na sociedade madeirense, acabando por criar um mundo à parte e funcionando com instituições próprias e privilégios exorbitantes, controlando na classe totalidade a economia da ilha e usufruindo da sua riqueza.
Os lucros vindos do arquipélago eram mais consideráveis para a Grã-Bretanha do que para o nosso país, até porque, na feitoria britânica, existiam mais de 20 casas comerciais, cujas fortunas adquiridas eram amealhadas na Grã-Bretanha.
As outras nações pouco disputaram os ingleses neste seu comércio com a Madeira, e mesmo os portugueses que tentaram competir com eles raramente prosperaram, por terem menos conhecimento comercial, um capital e crédito mais pequenos, e menos ligações com outros estrangeiros.
Para seu interesse, os comerciantes britânicos controlavam os cultivadores de vinha, dando-lhes de antemão tudo o que eles necessitavam nos intervalos da vindima e nas estações mais baixas. O seu negócio com os habitantes portugueses do Funchal deve também ter sido intenso, mas tirando este facto, parecem não existir muitas relações sociais entre eles.
Daqui resultará uma certa britanofobia madeirense, bastante evidente em princípios dos séculos XIX e XX, e que se confunde por vezes com a afirmação do liberalismo e do republicanismo, embora a origem pareça ser outra. Em 1911, os republicanos madeirenses fizeram um ultimato aos britânicos para que estes abandonassem a ilha, imposição que não foi cumprida.
Foi a crise económica, especialmente no setor comercial, resultante do recuo do Império Britânico e da perda de algumas das suas colónias (como os Estados Unidos da América) que fez catalisar as vozes da revolta, até porque foi na Madeira que primeiro se fez sentir o impacto negativo da crise do Império.
Quais são as referências bibliográficas