Todos nós conhecemos alguns versos do hino nacional, mas nem sempre sabemos a história por trás do hino e o seu significado. O hino de Portugal foi composto em 1890, com letra de Henrique Lopes Mendonça e música de Alfredo Keil, tendo sido criado como um hino de resistência do nosso país face aos ingleses, embora se tenha também tornado um símbolo republicano, numa altura em que esta forma de governo alastrava nos interesses da sociedade portuguesa de finais do século XIX.
Num golpe de estado falhado decorrido a 31 de janeiro de 1891, com epicentro no Porto, já este hino fora usado como tema dos revoltosos, que pretendiam abolir a monarquia. Não foi por acaso que se tornou hino nacional em 1911, pouco tempo depois da instauração da República, na sequência da revolução de 5 de outubro de 1910 que depôs o rei D. Manuel II, que foi assim o último rei de Portugal.
O hino foi escrito na sequência de um ultimato do governo britânico, dirigido na época por Salisbury, e que foi entregue em 1890. Nesse ultimato, exigia-se que Portugal retirasse as suas forças militares, chefiadas por Serpa Pinto, do território entre Angola e Moçambique.
Estes territórios, que correspondem nos nossos dias ao Zimbabué e à Zâmbia, eram parte integrante do famoso “mapa cor-de-rosa”, que tinha sido apresentado pelo reino de Portugal na Conferência de Berlim, reclamando assim esses territórios como parte integrante do império ultramarino português.
O objetivo da conferência era, aliás, dividir os territórios africanos pelas potências colonizadoras europeias, tendo-se realizado entre novembro de 1884 e fevereiro de 1885. Na conferência, cada potência procurava aumentar ao máximo o seu poder económico e conseguir mais territórios para si, já que era a relação com a África que alimentava muitos dos cofres estatais pela Europa fora.
A nossa posição na conferência de Berlim, evidenciada pelo “mapa cor-de-rosa” que era baseado no alegado direito histórico de Portugal sobre aqueles territórios, desagradou e muito aos ingleses. A verdade é que o nosso país estava a perder a sua influência no continente africano, devido à crescente presença francesa, inglesa e alemã no continente, países que foram atraídos pelo potencial lucro comercial que a África representava.
Mas a principal razão pela qual os ingleses não aceitaram a proposta portuguesa for o facto de ela colidir com o projeto megalómano da Companhia Britânica da África do Sul, que pretendia construir um caminho de ferro que atravessasse todo o continente, ligando o Cairo, no Egito, à Cidade do Cabo, na África do Sul. Assim, os ingleses enviaram o seu ultimato a Portugal, gerando uma onda de resistência e de revolta entre a sociedade.
Apesar disso, o rei D. Carlos cedeu aos britânicos, originando assim uma revolta popular que foi capitalizada pela corrente republicana da sociedade. O governo caiu de imediato na sequência do ultimato, tendo sido substituído por um executivo liderado por António de Serpa Pimentel.
As negociações com os ingleses falharam, e a humilhação nacional foi consumada no verão de 1890, altura em que o Tratado de Londres definiu as fronteiras de Angola e de Moçambique, territórios que continuaram a ser portugueses. O explorador Silva Porto, que falhara nas negociações com os locais, imolou-se pelo fogo, envolto na bandeira portuguesa, sendo que este suicídio foi atribuído ao desgosto pelo resultado do ultimato inglês.
Esta foi uma das reações ao ultimato inglês, sendo que existiram diversas, das mais violentas às mais poéticas, como o hino nacional. Mas Portugal nunca mais seria o mesmo a nível político, e isso levaria ao regicídio em 1908 e à instalação da República em 1910.
Voltando ao hino nacional, consta que a letra original não dizia “contra os canhões marchar, marchar”, mas sim “contra os bretões marchar, marchar”, numa linguagem bélica e que confrontava os súbditos da Rainha Vitória, em Inglaterra. Há, no entanto, historiadores que defendem que o hino sempre teve a letra pela qual é hoje conhecido, e que o termo “bretões” foi provisoriamente introduzido no calor da refrega política contra Inglaterra.
Seja como for, “A Portuguesa” foi adotado como hino nacional, substituindo o “Hymno da Carta”, hino nacional desde maio de 1834 e que tinha sido escrito pelo rei D. Pedro IV. Ao longo dos anos, conheceram-se várias versões de “A Portuguesa”, pelo que se criou em 1956 uma comissão que ficou encarregue de fixar a versão final. A proposta apresentada por esta comissão foi aprovada em 1957 e, desde essa altura, o hino nacional é tal e qual como o conhecemos. Já agora, deixamos-lhe aqui a versão completa da letra do nosso hino, escrita por Henrique Lopes Mendonça:
I
Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria, sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!
Refrão
Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!
II
Desfralda a invicta bandeira
À luz viva do teu céu!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu!
Beija o solo teu jucundo
O oceano, a rugir d’amor,
E o teu braço vencedor
Deu novos mundos ao Mundo!
Às armas, às armas!
Sobre a terra e sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!
III
Saudai o Sol que desponta
Sobre um ridente porvir;
Seja o eco de uma afronta
O sinal de ressurgir.
Raios dessa aurora forte
São como beijos de mãe,
Que nos guardam, nos sustêm,
Contra as injúrias da sorte.
Às armas, às armas!
Sobre a terra e sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!
É Linda a história do povo português.