Imagine uma ilha com areais extensos, banhados por águas transparentes e convidativas. Agora, imagine que essa ilha foi poiso de pestilentos, contrabandistas, pescadores e de peludos de quatro patas, e terá uma noção aproximada da história da chamada Ilha dos Cães, que aparece desde tempos imemoriais nos nossos mapas, no cabo de Santa Maria, onde Portugal termina.
Hoje, não conseguimos dizer com certeza qual é a localização deste lugar. Poderá tratar-se de uma das ilhas barreira que protegem a costa algarvia e os baixios da Ria Formosa.
Mas neste local, a calma é aparente, com os volumosos bancos de areia a modificarem-se consoante as marés e ventos, transformando-se e moldando-se continuamente. As barras que separam estas ilhas vão-se deslocando lentamente de oeste para este.
É toda esta dinâmica inconstante que explica o porquê de as peças de defesa do litoral que em tempos existiram, como fortins, tenham desaparecido completamente desparecido, tendo sido arrasados pela inconstância do solo e do mar, que é aqui enganadoramente pacífico.
Além disso, como se não bastasse, a onda gigante que teve ligar após o terramoto de 1755 mudou a face destas ilhas para sempre, graças à grande devastação que causou.
As primeiras referências à presença humana na ilha dos Cães (também chamada ilha dos Leprosos) data de 1522. O local foi ponto de paragem obrigatório para um grupo de viajantes que vinha de Arzila, suspeitando-se que estes tinham peste bubónica. Assim, evitava-se que a maleita se espalhasse no território nacional.
As condições de vida na ilha eram bastante difíceis, uma vez que esta estava num local inóspito e que sofria não só com as forças da natureza, mas também com as incursões dos piratas.
Apesar de tudo, em meados do século XIX já ali deveriam existir cabanas e armações de pesca e, aos poucos, os pescadores foram criando condições de permanência fora da época da faina, levando mais tarde as suas famílias. Foi assim que nasceram muitos dos núcleos habitacionais hoje existentes, sendo o de Culatra o mais expressivo.
Mas por que razão é que aquele território se chamaria ilha dos Cães? Talvez a resposta esteja nos fiéis companheiros dos pescadores. O cão de água dividia o trabalho com os pescadores, ajudando a encaminhar cardumes para as redes, e ficando de vigia. Outros mergulhavam velozmente e traziam o peixe intacto na boca, sendo pagos por esse serviço.
Os cães de água também acompanhavam os pescadores nas suas viagens pelo mediterrâneo, mostrando-se úteis a guardar pertences e a levar mensagens de uma embarcação para a outra.
Os cães de água eram – e ainda são – cães muito especiais, conhecidos por serem nadadores exímios, extremamente inteligentes e muito resistentes à fadiga. Estas qualidades não escaparam ao rei D. Carlos, que tinha dois destes animais a bordo do iate D. Amélia, contando com a ajuda destes nas campanhas oceanográficas.
Não se sabe se foram estes simpáticos cães a dar o nome à ilha, que a maior parte das fontes aponta como sendo a antiga ilha de Santa Maria (embora outras fontes defendam tratar-se da Armona). O que é certo é que, a partir do século XIX, as cartas parecem ter-se esquecido de que a ilha dos Cães alguma vez existiu.
Quanto ao cão de água, foi considerado a raça mais rara do mundo nos anos 70 e 80 do século XX, mas nos nossos dias, começou a recuperar o merecido prestígio que teve noutros tempos, tornando-se num animal de companhia muito popular em todo o mundo.