Filha de D. Manuel I e da sua segunda esposa, a rainha D. Maria, Isabel de Portugal nasceu em Lisboa, a 25 de outubro de 1503. Ficou conhecida como a imperatriz perfeitíssima, numa Europa recheada de convulsões políticas, religiosas e sociais, por ser mulher e colaboradora do poderoso Carlos V. A sua beleza ficou para sempre imortalizada numa obra de Ticiano.
As negociações do casamento entre D. Isabel e o imperador Carlos V começaram no outono de 1522, entre D. João III, seu irmão, e a corte espanhola. Acordaram-se dois casamentos: o de D. João III com Catarina, irmã de Carlos, e o de D. isabel com o imperador. O enlace do rei português deu-se primeiro, tendo o casamento de Isabel demorado mais uns tempos. A recém rainha de Portugal, D. Catarina, terá assim escrito ao irmão a falar-lhe das muitas virtudes e beleza de D. Isabel, sua cunhada.
Na primavera de 1525, um embaixador espanhol veio a Portugal tratar dos dois esponsais, tendo as primeiras negociações sido firmadas a 17 de outubro de 1525, em Almeirim. Aqui se celebrou também o casamento por procuração, a 23 de outubro, cerimónia presidida pelo bispo de Lamego, D. Fernando de Vasconcelos.
A partir desse dia, Isabel era já imperatriz. Houve festas e bailes, e representou-se pela primeira vez a comédia Dom Duardos, de Gil Vicente. O dote de Isabel foi de 900 mil dobras de ouro castelhanas, uma enorme fortuna. Com o casamento por procuração realizado, iniciaram-se os preparativos da partida da Imperatriz para Espanha, tendo D. Isabel 22 anos de idade. De Toledo, Carlos V mandou um “luzidio acompanhamento” para fazer honras à sua esposa, tendo enviado três emissários da mais alta honorabilidade.
Isabel chegou a Elvas a 6 de janeiro, acompanhada dos irmãos, D. Luís e D. Fernando, e entrou em Espanha no dia 7. A cerimónia de troca de séquito ocorreu na fronteira, perto do rio Caia, onde D. Luís terá dito as palavras de protocolo ao duque de Calábria: “Senhor, entrego a Vossa Alteza a imperatriz minha Senhora, em nome do rei de Portugal, meu senhor e irmão, como esposa que é da cesárea majestade do imperador.” No final, em vez do protocolar beija-mão, D. Isabel quis abraçar os seus irmãos.
A viagem duraria dois meses, tendo sido realizado no dia 10 ou 11 de março a cerimónia de casamento já com os noivos lado a lado, na cidade de Sevilha. Quem esteve presente comentou que “(…) Entre os noivos há muito contentamento, pelo menos é o que parece (…), e quando estão juntos, embora esteja muita gente presente não reparam em mais ninguém, ambos falam e riem, e nunca outra coisa os distrai”. Como se chegou a dizer, Carlos e Isabel casaram sem se conhecer e amaram-se depois de se conhecerem.
Os noivos ficaram uns dias por Sevilha, tendo depois seguido para Granada, onde chegaram nos primeiros dias de junho. Ficaram no Palácio de Alhambra, com notória influência árabe, tendo os mouros da região oferecido, como prenda de casamento, 80 mil ducados aos noivos. Foi nessa altura que Carlos V deu a Isabel, por divisa, “as três graças, tendo uma delas uma rosa, símbolo da sua formosura, um ramo de murta como símbolo do amor e a terceira uma coroa de carvalho simbolizando a fecundidade”.
A comitiva dos noivos, de tão numerosa, obrigou a que os familiares de D. Isabel de Portugal tivessem de ficar hospedados em São Jerónimo, um magnífico edifício renascentista. O palácio de Alhambra terá também sofrido várias beneficiações após a passagem dos noivos por aqui. Como curiosidade, diz-se que a razão de o símbolo da Andaluzia e de Espanha ser o “clavel” se deve ao facto de Carlos ter dado um cravo a Isabel, flor que na época não era comum.
Em dezembro, os imperadores partiram para Valladolid, onde chegaram no início do ano seguinte. Foi aqui que Isabel deu à luz, a 21 de maio de 1527, o futuro herdeiro do trono, Filipe (rei Filipe II de Espanha, Filipe I de Portugal). O parto foi difícil, tendo Isabel sofrido muito, embora se tenha mostrado corajosa e não gritado. Num momento de maior sofrimento, em que a dor se estampava no seu rosto, uma parteira disse-lhe que gritasse, porque ajudava a descontrair, ao que a imperatriz terá respondido, em português: “Não me faleis tal, minha comadre, que eu morrerei, mas não gritarei.”
Isabel de Portugal tinha residência independente da do marido, onde vivia com 40 damas e açafatas e mais de setenta jovens, rapazes e raparigas, alguns deles filhos do pessoal que lidava de perto com ela. Havia também a casa dos infantes e infantas (usada quando estes já tinham idade para ser independentes) e o palácio da rainha Joana, mãe de Carlos V, que vivia em Tordesilhas.
Enquanto Carlos V se encontrava em guerra ou a negociar tratados, a regência ficava nas mãos de D. Isabel, tendo esta sido regente entre 1529 e 1532 e entre 1535 e 1539, tendo viajado bastante nessa época. Para amenizar saudades e tratar de assuntos do império, o casal correspondia-se com frequência.
A imperatriz costumava passar o verão em Ávila, fugindo ao tempo quente de Toledo e Sevilha, já que sofrera diversas vezes de paludismo. No outono, viajava entre Toledo, Valladolid, Sevilha, Barcelona e Maiorca. Quando sabia que o marido ia regressar, preparava uma grande receção, mas quando estava sozinha com o seu séquito e os seus filhos, vivia uma vida muito ascética.
Carlos V não procurou outra mulher durante o seu casamento com Isabel, do qual nasceram, para além do herdeiro Filipe, D. Maria (em 1529) e D. Joana (em 1535), que viria a casar com o príncipe João Manuel, filho de D. João III de Portugal. D. Joana ficaria viúva quando estava à espera do seu primeiro filho, D. Sebastião.
Em 1539, Isabel morreu de pós-parto, estando nessa altura o imperador em Madrid. Ao receber a notícia, ficou muito amargurado e refugiou-se no mosteiro de Sisla, vestido de negro, cor que viria a usar até ao fim dos seus dias. Chegou a temer-se pela sua saúde, tal era o sofrimento pela ausência de Isabel. Para a ter mais perto de si, encomendou um retrato dela a Ticiano, que se baseou na máscara mortuária que tinha sido feita à imperatriz para realizar a obra.
Quando o imperador viu o retrato, não o achou perfeito e quis que o artista retocasse o nariz de Isabel, algo que ele fez. Aliás, pintou dois retratos quase iguais, sendo que um desapareceu, anos mais tarde, num incêndio. Apenas resta o retrato que acompanhou Carlos V na sua retirada para o mosteiro de Yuste, em 1556, e que esteve exposto em Toledo, de outubro de 2000 a janeiro de 2001.
O Santo enfeitiçado pela beleza da Rainha
A vida de Francisco de Borja está marcada pela de Isabel de Portugal, tendo este fidalgo protagonizado uma história verídica, após a morte da imperatriz. Francisco serviu na corte de Carlos V, onde conheceu a sua futura mulher, uma dama do séquito de D. isabel de Portugal, com a qual teve 11 filhos, 8 dos quais sobreviveram). Com a morte da imperatriz a acontecer em Toledo, o soberano encarregou o Duque de Gândia, futuro S. Francisco de Borja, um dos muitos apaixonados platónicos da imperatriz, de a conduzir até si, para que fosse sepultada.
Assim que chegaram, abriram o caixão de D. isabel, para verificar a identidade do cadáver, mas a sua decomposição ia já avançada, destruindo a beleza daquela que foi considerada a mulher mais bonita do seu tempo. Diz a lenda que, perante a visão do cadáver, o ainda duque de Gândia, casado com D. Leonor de Castro, jurou nunca mais servir senhor humano, virando-se para o serviço divino. E ao enviuvar, alguns anos depois, em 1546, ingressou na Companhia de Jesus, onde fez votos solenes em fevereiro de 1548. Foi ordenado sacerdote em 1551 e foi impulsionador da cristianização de colónias espanholas e do Brasil, tendo sido canonizado em abril de 1671.
A última morada de Isabel de Portugal
Por desejo do seu filho Filipe, D. Isabel de Portugal foi trasladada, em 1574, para o mosteiro do Escorial. Quanto a Carlos V, após a morte de Isabel, deixou pouco a pouco os negócios políticos, abdicando em 1556 a favor do filho, que subiu ao torno como Filipe II de Espanha, enquanto o seu irmão Fernando lhe sucedeu como imperador da Alemanha. Já viúvo de Isabel de Portugal, aos quarenta e cinco anos, o imperador Carlos V teve uma relação amorosa com uma jovem, que lhe deu um filho – João de Áustria. No recolhimento de Yuste, Carlos V não se afastou completamente da vida política, mas levou uma vida simples.
Carlos morreu a 21 de setembro de 1558, ficando separado de Isabel por uns tempos. Acabaram mais tarde por repousar lado a lado, no Mosteiro de São Lourenço do Escorial, panteão dos monarcas espanhóis e mandado construir por Filipe II.