A palavra “saudade” é uma das mais difíceis de traduzir para outras línguas. Expressa um sentimento complexo e profundo que mistura amor, ausência, distância, memória e esperança. Quem nunca sentiu a falta de alguém que ama, de um lugar que visitou, de um tempo que passou ou de algo que ainda não aconteceu?
Mas de onde vem esta palavra tão singular e tão nossa? Como surgiu e se desenvolveu na língua portuguesa? Quais as suas raízes etimológicas e influências culturais?
A hipótese mais aceite pelos estudiosos é a de que a palavra “saudade” provém do latim “solitatem”, que significa solidão. Esta palavra passou pelo galego-português, a língua falada na Península Ibérica entre os séculos IX e XIV, como “soidade”. Depois, sob a influência de palavras como “saúde” e “saudar”, evoluiu para “saudade”.
Esta origem latina explica o sentido de vazio e ausência que a palavra transporta. Quem sente esta emoção está só, sem a presença da pessoa ou coisa que deseja. Mas a saudade também tem um lado positivo, pois revela o valor e a importância do que se perdeu ou espera.
Outra possibilidade é que a palavra “saudade” tenha origem árabe, de palavras como “saudah” ou “suwayda”, que significam “humor negro, melancolia”. Estas palavras estariam relacionadas com a teoria dos quatro humores, segundo a qual o equilíbrio entre eles determinava o estado físico e emocional das pessoas.
A influência árabe na língua portuguesa é inegável, pois os muçulmanos dominaram grande parte da Península Ibérica durante quase oito séculos (711-1492). Muitas palavras de origem árabe entraram no nosso vocabulário, sobretudo nas áreas da ciência, da arte, da agricultura e da culinária.
No entanto, esta hipótese árabe para a origem da palavra não é muito convincente, pois não existem evidências históricas ou filológicas que a sustentem. Além disso, o sentido de melancolia não abrange toda a riqueza e complexidade da “saudade”.
Independentemente da sua origem etimológica, a verdade é que esta palavra se consolidou na língua portuguesa graças à literatura. Os poetas e escritores foram os principais responsáveis por explorar e divulgar este sentimento tão nosso.
A saudade está presente em obras fundamentais da nossa cultura, como os cantares de amigo da poesia trovadoresca medieval, as cartas de amor de Pedro e Inês de Castro no século XIV, os versos nostálgicos de Camões no século XVI, as elegias sentimentais de Bocage no século XVIII, as confissões românticas de Almeida Garrett no século XIX, as reflexões existenciais de Fernando Pessoa no século XX e as crónicas intimistas de Miguel Torga no século XXI.
Este sentimento é também um tema recorrente na música popular portuguesa, sobretudo no fado, considerado o género musical nacional por excelência. O fado exprime a alma portuguesa, marcada pela nostalgia do passado glorioso, pela angústia do presente incerto e pela esperança de um futuro melhor.
A palavra “saudade” é um dos símbolos da cultura lusófona. Representa uma forma única de sentir e viver o mundo e revela uma identidade coletiva construída ao longo dos séculos através da história, da geografia, da religião e da arte.
Não existe uma tradução exata para esta palavra noutras línguas. Algumas tentativas são: nostalgia (inglês), añoranza (espanhol), manque (francês), Sehnsucht (alemão), dor (romeno), скучать (russo), 想念 (chinês), 懐かしい (japonês). Mas nenhuma delas consegue captar toda a essência e profundidade da “saudade”.
Por isso, muitos estrangeiros acabam por adotar esta palavra quando aprendem português ou visitam os países lusófonos. Reconhecem que este sentimento é algo especial, intransmissível e percebem que é uma marca distintiva da nossa língua e cultura.