Lisboa, cidade de colinas e ruelas impregnadas de história, guarda segredos que se entrelaçam com o seu próprio destino. Entre os episódios menos conhecidos, mas de grande simbolismo, encontra-se a história do Beco do Chão Salgado, um recanto discreto na zona de Belém, junto à famosa Fábrica dos Pastéis de Belém.
Apesar da aparente simplicidade deste pequeno beco, ele carrega as marcas de um dos momentos mais sombrios da monarquia portuguesa.
No século XVIII, este local albergava o majestoso palácio do Duque de Aveiro, um nobre de grande influência. No entanto, o destino deste espaço mudou drasticamente quando o rei D. José I foi alvo de um atentado em 1758.
A tentativa de assassinato desencadeou uma das mais brutais perseguições políticas da história portuguesa, liderada pelo então ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal.
O monarca, embora tenha sobrevivido ao ataque, ficou decidido a punir severamente os responsáveis. O processo foi rápido e implacável. A família Távora, uma das mais influentes da aristocracia portuguesa, foi acusada de conspirar contra o rei. O Duque de Aveiro, cuja ligação à família dos Távoras era estreita, foi igualmente apontado como conspirador.
As provas eram ténues e os interrogatórios foram marcados por torturas, mas a sentença estava decidida: uma execução exemplar para servir de aviso a qualquer opositor do poder real.
A 13 de janeiro de 1759, Belém tornou-se palco de um espetáculo de horror. Nobres e populares reuniram-se para assistir à execução dos Távoras e dos restantes condenados.
Entre as vítimas estava a Marquesa de Távora, decapitada, enquanto os outros foram brutalmente esquartejados e queimados. As suas cinzas foram lançadas ao Tejo, num ato destinado a apagar qualquer vestígio da sua existência.
Para reforçar o castigo, o palácio do Duque de Aveiro foi demolido e o solo foi salgado para simbolizar a condenação perpétua do local. Ergueu-se um obelisco com uma inscrição que recorda a destruição da residência e a infâmia dos seus antigos proprietários.
Contudo, com a ascensão de D. Maria I ao trono em 1777, o destino da família Távora foi reavaliado. A rainha, que sempre viu com desconfiança o poder excessivo de Pombal, ordenou a reabilitação do nome da família e a liberdade para os sobreviventes do massacre.
O obelisco manteve-se, mas o terreno foi novamente aberto à construção, eliminando a proibição imposta pelo Marquês de Pombal.
Atualmente, o Beco do Chão Salgado passa despercebido entre os visitantes de Belém, ofuscado pela fama dos pastéis e pelo esplendor do Mosteiro dos Jerónimos. No entanto, o obelisco continua de pé, testemunhando um passado de intrigas, vinganças e luta pelo poder.
Quem por ali passa pode ainda ler a inscrição que perpetua a memória de um dos mais polémicos julgamentos da história portuguesa, lembrando que Lisboa, por entre as suas ruelas e becos, guarda segredos que nunca deixam de ecoar.