Lisboa é uma cidade cheia de encantos e mistérios, onde cada rua, cada praça, cada monumento tem uma história para contar. Algumas dessas histórias são mais conhecidas do que outras, mas todas fazem parte da nossa identidade e cultura. Uma dessas histórias menos conhecidas é a do Beco do Chão Salgado, um pequeno e discreto beco que fica ao lado da Fábrica dos Pastéis de Belém, em Belém.
À primeira vista, não parece nada de especial, mas se olharmos com atenção, podemos ver um obelisco de pedra com uma inscrição que nos revela um segredo do passado.
Nesse lugar, existiu até meados do século XVIII o palácio do Duque de Aveiro, um nobre que foi acusado de participar num atentado contra o rei D. José I, em 1758. O rei sobreviveu ao ataque, mas ficou furioso e quis vingar-se dos culpados. O Marquês de Pombal, o seu poderoso ministro, encarregou-se de conduzir um processo rápido e implacável contra os suspeitos, entre os quais estava a família dos Távoras, parentes do Duque de Aveiro.
O resultado foi uma execução pública e cruel dos condenados, que teve lugar em Belém, em 1759. O palácio do Duque de Aveiro foi arrasado e o seu terreno foi salgado para que nada mais pudesse crescer ali. Foi uma forma de apagar da memória e da história essa família e o seu crime.
Mas será que tudo foi assim tão simples? Será que os Távoras foram mesmo culpados ou foram vítimas de uma conspiração? Será que o Marquês de Pombal aproveitou a ocasião para eliminar os seus inimigos políticos e religiosos? Será que o rei D. José I tinha algum motivo oculto para querer castigar os Távoras? E será que o Beco do Chão Salgado ainda guarda algum vestígio desse episódio sangrento?
Os Távoras eram uma das famílias mais antigas e poderosas da nobreza portuguesa. Tinham origem no século XII, quando um cavaleiro francês chamado D. Egas Moniz casou com uma senhora portuguesa chamada D. Teresa Afonso Távora. Desde então, os seus descendentes ocuparam cargos importantes na corte, na diplomacia, na administração e no exército. Tinham também muitas terras, palácios e riquezas.
No século XVIII, os Távoras eram representados pelos Marqueses de Távora, D. Francisco de Assis de Távora e D. Leonor Tomásia de Távora. Tinham dez filhos, entre os quais se destacava D. Luísa Clara de Portugal, casada com o Duque de Aveiro, D. José Mascarenhas da Silva e Lencastre.
O Duque de Aveiro era também um nobre influente e rico, que tinha o título de Almirante-Mor do Reino. Os Távoras eram considerados como uma família exemplar pela sua lealdade ao rei, à religião e à pátria.
Como ocorreu o atentado contra D. José I?
O atentado contra D. José I foi um episódio que marcou a história de Portugal e do Beco do Chão Salgado. Na noite de 3 de setembro de 1758, o rei seguia numa carruagem que percorria uma rua secundária nos arredores de Lisboa. O rei voltava para as tendas da Ajuda, onde vivia desde o terramoto de 1755, depois de ter passado a noite com uma mulher da família dos Távoras, a marquesinha Teresa Leonor.
Pelo caminho, a carruagem foi interceptada por três homens, que dispararam sobre os ocupantes. O rei foi ferido num braço, o seu condutor também ficou ferido gravemente, mas ambos sobreviveram e regressaram à Ajuda.
O Marquês de Pombal, o ministro do rei, tomou o controlo imediato da situação e aproveitou para retirar poder à família nobre dos Távoras, acusando-os de serem os mandantes do atentado. Poucos dias depois, dois homens foram presos e torturados. Eles confessaram a culpa e disseram que tinham recebido ordens dos Távoras, que estavam a conspirar para pôr o Duque de Aveiro no trono. Os dois homens foram enforcados no dia seguinte.
Nas semanas que se seguiram, a marquesa Leonor de Távora, o seu marido Francisco de Assis de Távora, todos os seus filhos, filhas e netos foram presos. Outros nobres suspeitos, como o Duque de Aveiro, José Mascarenhas, os marqueses de Alorna e os condes de Atouguia também foram detidos. Até um padre jesuíta, Gabriel Malagrida, que era o confessor da marquesa, foi preso.
Foram todos acusados de alta traição e de tentativa de regicídio. A sentença ordenou a execução de todos, incluindo mulheres e crianças. Apenas as intervenções da rainha Mariana e da princesa Maria Francisca salvaram a maioria deles. A marquesa, porém, não foi poupada.
Como foi a execução dos Távoras?
A execução dos Távoras foi um espetáculo público e cruel que teve lugar em Belém, no dia 13 de janeiro de 1759. O rei e a corte assistiram à cena do alto de um palanque.
A primeira vítima foi a marquesa Leonor de Távora, que foi decapitada com uma espada. Depois foram executados os seus filhos José Maria e Luís Bernardo, o seu genro Duque de Aveiro e um amigo da família chamado Brás Romeiro. Eles foram arrastados por cavalos até ao patíbulo, onde foram esquartejados e queimados em fogueiras.
O último a morrer foi o padre Malagrida, que foi enforcado e depois também queimado. As cinzas dos condenados foram lançadas ao rio Tejo.
A execução demorou várias horas e foi uma forma de mostrar à nobreza e ao povo quem mandava no reino. O Marquês de Pombal foi recompensado pelo rei com o título de Conde de Oeiras em 1759 e depois com o título de Marquês de Pombal em 1770.
O que aconteceu ao palácio do Duque de Aveiro?
O palácio do Duque de Aveiro era uma das residências mais luxuosas e imponentes da Lisboa do século XVIII. Ficava em Belém, perto da fábrica dos pastéis de nata.
Como parte da punição pelo atentado contra o rei, o palácio do Duque de Aveiro foi confiscado, arrasado e salgado para que nada mais pudesse crescer ali. Foi uma forma simbólica de apagar da memória e da história essa família e o seu crime
Como é o Beco do Chão Salgado hoje?
Hoje em dia, o Beco do Chão Salgado é um lugar quase esquecido e ignorado pela maioria das pessoas que passam por Belém. Fica ao lado da famosa Fábrica dos Pastéis de Belém, mas poucos reparam na sua existência e no seu significado histórico.
O beco é uma rua estreita e curta, que termina num muro. Na parede de uma pastelaria, há uma placa que indica o nome do beco e a sua origem. No final do beco, há um obelisco de pedra com uma inscrição que conta o que aconteceu ali.
O obelisco tem cerca de cinco metros de altura e a coluna está rodeada de cinco anéis. A coluna assenta numa pedra quadrangular que numa das faces tem uma longa inscrição. Começa por dizer que “Aqui foram arrasadas e salgadas as casas de José de Mascarenhas…” e termina com uma jura de que “neste terreno infame se não poderá edificar em tempo algum”.
O obelisco foi mandado erguer pelo Marquês de Pombal em 1761, como forma de perpetuar a memória da punição dos Távoras e do Duque de Aveiro. No entanto, depois da morte de D. José I em 1777, o Marquês de Pombal caiu em desgraça perante a nova rainha D. Maria I, que era filha do rei e simpatizava com os Távoras.
A rainha mandou libertar os presos que ainda restavam do processo dos Távoras e revogou a proibição de construir no terreno salgado. Assim, o obelisco perdeu a sua função original e ficou escondido entre as novas construções que foram surgindo à sua volta.
Hoje, o obelisco é um monumento nacional desde 1910 e um testemunho silencioso de um episódio trágico e controverso da nossa história.