No início de 1925, Lisboa enfrentava uma crise alimentar que afetava diretamente a mesa dos seus habitantes. A escassez de carne fazia subir os preços e tornava o acesso a este alimento básico cada vez mais difícil para grande parte da população.
Para contornar esta situação, a Câmara Municipal de Lisboa tomou uma decisão ousada: importar 500 bois bravos da Argentina.
A 2 de Janeiro desse ano, o cargueiro “Dionisios Stabata” atracou no porto de Lisboa, trazendo consigo os tão aguardados animais. A operação não passou despercebida; autoridades locais e representantes diplomáticos, incluindo o embaixador e o cônsul argentinos, bem como o adido militar espanhol, marcaram presença para testemunhar o desembarque.
Após a chegada, os 500 bois foram conduzidos por campinos através das ruas da cidade, desde o cais de Alcântara até ao matadouro municipal do Alto da Cruz do Tabuado.
Imagine-se o cenário: ruas estreitas e calcetadas, habitualmente tranquilas, subitamente preenchidas pelo som dos cascos e pelo murmúrio dos curiosos que se aglomeravam para assistir ao inusitado cortejo.
As crianças, com os olhos arregalados de excitação, corriam ao lado dos animais, enquanto os adultos trocavam impressões sobre o impacto daquela iniciativa no quotidiano lisboeta.
Esta medida, embora necessária, gerou controvérsia. Os produtores locais temiam que a entrada de gado argentino pudesse desestabilizar o mercado interno, afetando os preços e a procura de gado nacional.
Debates acesos emergiram nos círculos políticos e económicos, refletindo as tensões entre a necessidade imediata de abastecimento e a proteção da produção local.
Para os lisboetas, a passagem dos bois pelas ruas foi mais do que um espetáculo; representou uma esperança renovada num período de dificuldades. A cidade, ainda a recuperar dos impactos económicos e sociais da Primeira Guerra Mundial, enfrentava desafios como o desemprego e a inflação.
A chegada dos animais simbolizava uma tentativa concreta de aliviar a pressão sobre os preços e de garantir o sustento das famílias.
Este episódio refletiu as dificuldades económicas e sociais enfrentadas por Portugal nos primeiros anos da década de 1920. A escassez de alimentos, o desemprego e a instabilidade política contribuíam para um ambiente de insatisfação e tensão entre a população.
Eventos como a “Revolta da Batata”, em maio de 1917, já haviam demonstrado o potencial explosivo da combinação entre carestia e descontentamento popular.
Nesse sentido, a importação dos bois argentinos pode ser vista como uma tentativa das autoridades municipais de Lisboa para evitar novos tumultos e assegurar o abastecimento alimentar da cidade.