Os habitantes de Lisboa são conhecidos, desde há várias gerações, como “alfacinhas”, um termo que faz parte do imaginário popular português. A sua origem exata permanece envolta em mistério, mas ao longo dos tempos têm surgido várias teorias para explicar esta curiosa designação.
A primeira referência escrita conhecida ao termo “alfacinhas” remonta ao século XIX, mais precisamente à obra “Viagens na Minha Terra”, de Almeida Garrett. No entanto, a expressão já deveria estar em uso antes disso, enraizando-se na identidade lisboeta por razões que ainda hoje se debatem.
Uma das explicações mais populares foi proposta em 1943 por Fernanda Reis, num artigo publicado no Boletim do Grupo Amigos de Lisboa. Segundo esta teoria, o nome derivaria do hábito exagerado dos lisboetas de consumirem alfaces em abundância.
A revista LX Metrópole, numa edição de Maio de 2002, apresentou outra hipótese: o nome teria surgido do gosto dos lisboetas por procurar frescura e sombra nos jardins e hortas da cidade. Contudo, a teoria mais aceite remete-nos para a ocupação árabe da Península Ibérica, entre os séculos VIII e XII.
Durante este período, Lisboa era um importante centro agrícola, e uma das culturas predominantes era a alface, conhecida em árabe como “Al-Hassa”. A influência árabe na toponímia e nos hábitos alimentares da cidade pode ter originado a associação entre os seus habitantes e esta planta.
Além disso, conta a lenda que, durante uma das muitas guerras da época, os lisboetas teriam ficado sem mantimentos, sobrevivendo apenas com alfaces, o que consolidou ainda mais a designação.
Outra teoria muito divulgada defende que foram os saloios, habitantes das zonas rurais em redor de Lisboa, que começaram a chamar “alfacinhas” aos lisboetas. Existem duas explicações distintas dentro desta teoria.
A primeira sugere que o nome surgiu devido à moda dos laços volumosos utilizados nas camisas, que, na perspectiva dos saloios, se assemelhavam a folhas de alface. Assim, passaram a apelidar os lisboetas de “alfacinhas” de forma jocosa.
A segunda versão remonta ao período do cerco de Lisboa, quando os habitantes da cidade dependiam da alimentação trazida pelos saloios.
Entre os produtos mais transportados nas carroças estavam as alfaces, e as vendedoras, ao chegarem à cidade, anunciavam a sua chegada com pregões como “chegaram as alfacinhas”. Com o passar do tempo, o termo deixou de se referir apenas ao produto e passou a ser uma forma de identificar os próprios lisboetas.
Independentemente da verdadeira origem do termo, “alfacinhas” é uma designação que se mantém viva no dia-a-dia e na cultura popular. Utilizada nos mais diversos contextos, desde a comunicação social às conversas informais, tornou-se um símbolo identitário da capital portuguesa.
Este fenómeno não é único em Portugal. Outras cidades e regiões também possuem alcunhas carinhosas para os seus habitantes. No Porto, os naturais da cidade são conhecidos por “tripeiros”, devido à antiga tradição de consumo de tripas.
Já os habitantes das zonas rurais em redor de Lisboa são designados por “saloios”, um termo que inicialmente significava “habitante do campo”, mas que ao longo dos séculos ganhou diferentes conotações.
A riqueza da língua portuguesa reflete-se nestas designações, que vão para além de simples alcunhas e transportam consigo histórias, tradições e traços culturais únicos.
O termo “alfacinhas” é, assim, muito mais do que um nome curioso: é um testemunho da história e da identidade de Lisboa, uma cidade que, apesar das mudanças ao longo dos séculos, mantém vivas as suas raízes e expressões características.