Verdade seja dita: os portugueses sempre tiveram muita imaginação na hora de arranjar nomes para as suas terras. Em Lisboa, na freguesia de São Vicente, perto do Castelo, pode encontrar o Jardim das Pichas Murchas. A história do nome do jardim remete para um calceteiro local, chamado Carlos Vinagre.
Este homem morreu jovem, mas deixou muitas saudades junto dos seus companheiros e amigos, que apreciavam a sua boa disposição e alegria contagiante. Mas afinal, qual é a relação entre Carlos Vinagre e o peculiar nome deste jardim?
A origem do nome é contada por José António, que conheceu Carlos Vinagre de perto e que com ele convivia na leitaria que pertencia ao Zé, também conhecido como “Patudo”, devido aos grandes pés que tinha. Ao que parece, depois de alguns copos, Carlos e José decidiram ir até junto dos mais velhos, que costumavam frequentar o largo ali perto.
Ora, tendo em conta a idade mais avançada de quem estava naquele espaço, e a mente marota de Vinagre, não foi difícil chegar ao nome Jardim das Pichas Murchas, um nome que é até explicado aos turistas estrangeiros, que não têm pejo em fotografar a placa quando por ali passam.
Para além dos bancos que já por lá existiam, Carlos Vinagre conseguiu que a Junta de Freguesia colocasse mesas e cadeiras no espaço. A partir dessa altura, os jogos de cartas, como a sueca, tornaram-se ainda mais frequentes, e o convívio passou a estender-se noite adentro, com fados cantados por José António, acompanhado à viola por outro conviva, Manuel Tomé.
O jardim recebeu uma placa com o seu nome em 1992. Um ano depois, deu-se ali uma grande festa, que até atraiu a PSP e PJ para o local, embora não tivesse havido grandes problemas. Afinal, era apenas uma festa, igual a tantas outras de qualquer típico bairro lisboeta.
O nome do jardim não chocou os residentes, e foi aceite até pelos visados que deram origem ao nome do lugar. Como alguns chegam a admitir, o nome corresponde exatamente à verdade… É um exemplo perfeito do sentido de humor e do desportivismo dos lisboetas, que tão bem sabem rir de si próprios.
A junta até já pensou em retirar a placa, mas a população reivindicou a sua manutenção, já que esta não deixa de ser uma forma peculiar de nomear o espaço e de o dar a conhecer a quem visita este local, frequentado por velhos e por jovens. E o certo é que funcionou: o Jardim das Pichas Murchas tornou-se num autêntico ícone lisboeta e é procurado por muitos turistas durante todo o ano.
É também uma boa forma de honrar as memórias de quem conheceu Carlos Vinagre e que frequentou o jardim na mesma altura que ele. Carlos foi uma das mais típicas e ilustres figuras do bairro e o seu carisma era famoso entre os moradores. A sua memória perdura no Jardim das Pichas Murchas.
O sítio é hoje um espaço de convívio e de confraternização, que mantém o espírito popular e bairristas desta zona alfacinha. E apesar da sua morte precoce, a partida de Carlos Vinagre não foi envolta em tristeza, já que este tinha pedido que, no dia do seu enterro, os seus amigos se reunissem naquele jardim e o homenageassem com muita festa e paródia. E assim aconteceu.
Aconselhamos a sua visita ao local, nem que seja para tirar uma fotografia à célebre placa. E já que está por aqui, saiba que, ali bem perto, na rua de São Tomé, existe um trabalho incrível de Vhils, que homenageia a fadista Amália Rodrigues. Este mural encontra-se numa pequena praceta, perto da calçada do Menino Deus, e foi totalmente executado em pedras de calçada portuguesa.
E já que está por aqui… aproveite e passeie a pé pelos becos e ruelas que circundam o Jardim das Pichas Murchas. Passear a pé por Lisboa e pelos seus bairros históricos é, sem dúvida, a melhor forma de conhecer a cidade, o seu povo e as suas tradições. E não se esqueça de meter conversa com os moradores locais se quiser experienciar uma autêntica viagem pelo melhor de Lisboa.