A poucos quilómetros da fronteira portuguesa, em pequenas aldeias espanholas esquecidas pelo tempo, ouvem-se ainda ecos de um português peculiar. Não se trata do português padrão de Lisboa ou do Porto, mas sim de um conjunto de dialetos e variantes que resistem ao domínio do castelhano e testemunham séculos de contacto entre as duas culturas.
Apesar do avanço da globalização e da crescente pressão linguística espanhola, algumas comunidades ainda conservam resquícios da língua de Camões em território espanhol.
A presença de variantes do português em Espanha não é homogénea. A sua existência remonta às dinâmicas históricas e políticas que marcaram a região da Raia, onde a fronteira entre Portugal e Espanha nunca foi uma barreira linguística intransponível.
A influência portuguesa pode ser encontrada em vários pontos da península, sobretudo no Vale de Xálima, em Olivença, La Codosera e em algumas aldeias da Estremadura e Castela e Leão.
A Fala do Vale de Xálima
No noroeste da província de Cáceres, perto da fronteira com Portugal, situa-se o Vale de Xálima, onde se fala “A Fala” — uma das variantes mais intrigantes do galego-português. Esta língua, com fortes traços arcaicos, é falada nos concelhos de San Martín de Trevejo, Eljas e Valverde del Fresno.
A Fala tem três variantes principais:
- O Mañegu, falado em San Martín de Trevejo;
- O Valverdeiru, de Valverde del Fresno;
- O Lagarteiru, usado nas Eljas.
Estudos linguísticos indicam que A Fala tem uma forte relação com os dialetos portugueses falados no Sabugal. Apesar de ser considerada uma língua viva, o avanço do castelhano é inevitável, sobretudo devido à escola e às novas gerações, que crescem cada vez mais expostas à influência espanhola.
Olivença e o Português perdido
Olivença, cidade que pertenceu a Portugal até 1801, é outro caso emblemático. Durante séculos, o português foi a língua dominante, mas atualmente restam apenas algumas expressões e palavras no dia-a-dia dos habitantes mais velhos. As gerações mais novas, educadas em castelhano, perderam a língua que outrora identificava a sua terra.
Nas aldeias em redor, como San Francisco, San Rafael e Santo Domingo de Guzmán, a influência portuguesa ainda se nota na toponímia e nos sotaques, mas a língua está praticamente extinta. A falta de proteção oficial e o desinteresse político acabaram por ditar a progressiva substituição do português pelo castelhano.
La Codosera: O Alentejo do outro lado
Na região de Badajoz, a aldeia de La Codosera é uma verdadeira anomalia linguística. Aqui, a língua portuguesa sobrevive de forma surpreendente, sendo falada em casa e na rua. O dialeto local tem uma forte influência alentejana, com algumas palavras castelhanizadas.
Ao contrário de Olivença, o português ainda é ensinado na escola e utilizado no dia-a-dia. A razão desta persistência pode ser atribuída à forte relação entre La Codosera e as aldeias portuguesas vizinhas, como Esperança, no concelho de Arronches.
Uma curiosidade interessante é que, após a Guerra Civil Espanhola, muitas famílias locais enviaram os seus filhos à escola em Portugal para manterem a língua e a identidade. Ainda hoje, a vila mantém um carácter transfronteiriço muito vincado.
O fim de uma tradição?
Apesar da resistência de algumas comunidades, a maioria destas variantes do português está em vias de extinção. A falta de reconhecimento oficial e a diglossia, onde o castelhano tem um estatuto superior, fazem com que as gerações mais novas abandonem progressivamente o português. Em locais como Cedillo e Herrera de Alcántara, o português outrora falado está a desaparecer rapidamente.
O governo espanhol não tem políticas para proteger estas línguas minoritárias, ao contrário do que acontece com o catalão, o basco e o galego. Por outro lado, Portugal também não demonstra um interesse activo em preservar estas variedades linguísticas, perdendo-se assim uma parte da história comum entre os dois países.
Uma herança a salvar
A existência de dialectos portugueses em Espanha é um testemunho vivo da história partilhada entre os dois países ibéricos. A cada geração que passa, estas línguas vão-se esbatendo, misturadas com o castelhano dominante. Sem esforços concretos para as proteger, estes dialectos estão condenados ao esquecimento.
Cabe aos falantes e às comunidades locais manterem viva esta herança, e talvez um dia os governos de ambos os países reconheçam a importância de preservar este património linguístico.
Até lá, quem visitar estas regiões pode ainda ter a rara oportunidade de ouvir um português diferente, sussurrado por vozes que teimam em não deixar morrer a sua identidade.