Ao longo da riquíssima história de Portugal, não poderia deixar de haver episódios caricatos, que não são tão conhecidos dos portugueses por não constarem dos programas oficiais de história. E compreende-se bem o motivo pelo qual não são dignos de fazer parte dos livros de história: os episódios aqui detalhados são, em alguns casos, absurdos e até humilhantes para quem neles participou.
De qualquer das formas, se queremos conhecer melhor a história de Portugal (e com isso analisar o presente e preparar o futuro), nada como nos debruçarmos sobre alguns dos episódios mais cómicos ou caricatos. Não se ensinam na escola, mas não caíram no esquecimento… Divirta-se com a leitura! :)
1. A rainha Isabel fechou a sua aia no baú
Durante o seu reinado, a rainha D. Isabel de Portugal (posteriormente conhecida como Isabel de Castela), neta de D. João I, começou a sentir ciúmes da sua aia Beatriz da Silva, que com ela tinha vindo para Castela, como dama de companhia. Segundo reza a lenda, a rainha mandou um dia trancar Beatriz num baú. Três dias depois, o tio de Beatriz, que também se encontrava em Castela, D. João de Menezes, indagou a rainha sobre o paradeiro da sobrinha.
Esta mostrou-lhe a arca onde tinha colocado Beatriz, achando que ela estaria já morta. Mas ao abrir a arca, Beatriz saiu de dentro do baú viva e sem sinais de fraqueza. Segundo Beatriz, a Virgem ter-lhe-ia aparecido quando estava dentro do baú, e a dama tinha-lhe prometido que fundaria uma ordem religiosa dedicada à Imaculada Conceição se escapasse da sua situação.
Beatriz retirou-se nesse mesmo ano para um mosteiro, onde viveu durante 30 anos com a cara tapada por um véu. Com a ajuda da filha da rainha que a tentou matar, Isabel I de Castela, fundou o Mosteiro da Imaculada Conceição e a ordem com o mesmo nome. Beatriz foi canonizada em 1976 por Paulo VI.
2. A infanta que se fez passar por frade
O herdeiro do trono de D. João III, D. João Manuel, acabou por não resistir à diabetes juvenil e faleceu com apenas 17 anos. Na época, no entanto, a causa de morte foi atribuída ao seu casamento prematuro com Dona Joana, quando tinha apenas 15 anos, já que, supostamente, o casal teria uma vida sexual “excessiva”. Na certidão de óbito do infante pode-se ler que a causa da morte foi “demasiada comunicação e amor”.
Quando o marido morreu, a princesa D. Joana estava grávida, tendo o seu filho 18 dias depois. Passados 4 meses, deixou o seu filho, D. Sebastião, e partiu para Espanha, tendo-se entregado à Igreja. Crê-se que, em 1555, e com um pseudónimo masculino e usando roupa de homem, conseguiu entrar para a Ordem dos Jesuítas.
3. O eremita que se fez passar por D. Sebastião
Era conhecido como o Ermitão, na Ericeira, mas o seu nome era Mateus Álvares. Depois de abandonar o Convento de Santa Cruz, passou a viver numa gruta em São Julião, onde permaneceu durante anos. Era um homem magro, ruivo e muito parecido com D. Sebastião, a ponto de a população começar a espalhar o boato de que ele seria de facto o Rei, regressado em segredo de Alcácer-Quibir.
O homem acabou por alinhar na história e reclamar o trono, mas as coisas não lhe correram de feição. Casou com a filha de um lavrador, Ana Susana, e coroou-a rainha com uma tiara roubada de uma imagem religiosa. Passou a exigir beija-mão e tratamento real. Conseguiu reunir um pequeno exército, mas este estava desorganizado, tendo rapidamente sucumbido às mãos dos seus inimigos, que entregaram o falso D. Sebastião a Filipe II. Antes de ser decapitado e esquartejado, Mateus Álvares ainda pediu que os seus membros ficassem expostos em locais onde os portugueses os pudessem ver.
4. O rei que sonhava ser Papa
Contra todas as expectativas, subiu ao trono com 66 anos, numa altura de grave crise dinástica. Falamos do Cardeal D. Henrique, que apesar de ser filho, irmão e tio-avô de reis, não tinha pretensões à Coroa. Tinha, antes, outras ambições, de cariz religioso. Desde cedo revelou vocação religiosa: aos 10 anos, era Prior de Santa Cruz; aos 11, Abade de São Cristóvão de Lafões e Prior de S. Jorge; e aos 21 anos, era Administrador do Arcebispo de Braga. Com 27 anos, era Arcebispo e Inquisidor-mor. Faltava-lhe apenas conquistar o Vaticano, tendo sido candidato a Papa no conclave de 1549, tendo acabado por perder a nomeação para um romano.
Com a morte de D. Sebastião, seu sobrinho-neto, D. Henrique foi aclamado rei, tendo sido a sua maior preocupação a sua sucessão. Chegou a ponderar casar e ter filhos, apesar da sua idade, tendo inclusive pedido uma dispensa papal de celibato. A viagem do enviado especial, que levava o pedido de D. Henrique, foi sucessivamente atrasada pelos espanhóis, que viam no impasse a oportunidade de ficar com a Coroa portuguesa. Quando o enviado chegou finalmente a Roma, a mensagem não tinha significado: D. Henrique tinha já falecido sem descendência e sem sucessores diretos.
5. O rei que morreu de piolhos
Com a alcunha de “El Rey de los Papeles”, tal era a obsessão pela organização, D. Filipe II de Espanha e I de Portugal era um burocrata que passava horas no seu gabinete a tirar anotações sobre os seus negócios e o império. O rei sofria de gota, que o impedia de escrever tanto como queria, e de febres terçãs, típicas da malária. Um edema prendia-o igualmente à cama durante dias, e diz-se que foi até necessário abrir um buraco no seu colchão para que os seus fluidos corporais saíssem.
Apesar de tudo, o rei acabou por morrer de um ataque de piolhos. Na madrugada de 13 de setembro de 1598, um ataque de pitiríase causado pela invasão destes parasitas matou aquele que na época era o homem mais poderosos do planeta.
6. Um rei arruaceiro e homossexual
D. Afonso VI ganhou fama de ser um arruaceiro, sendo conhecidas as suas noitadas com alguns companheiros, entre eles o italiano António Conti. Várias vezes acabaram na esquadra pelos seus comportamentos desordeiros, mas nunca nada lhes aconteceu, e Conti passou a frequentar o Paço, com acesso direto ao quarto real, onde levava prostitutas e rapazes, e todos se embebedavam.
Chegou a conseguir um título de fidalguia e o hábito da Ordem de Cristo, até que a rainha D. Luísa de Gusmão, farta dos comportamentos do filho e do amigo, mandou deportar Conti para o Brasil. A partir daí, D. Afonso VI passou a ter um estilo de vida mais discreto, mas diz-se que nunca deixou de receber rapazes nos seus aposentos.
7. Os amores ilícitos de D. João V
Ficou conhecido como “O Magnânimo”, mas também como “O freirático”, por colecionar amantes que eram freiras. Para além de ter ficado conhecido pela construção do Aqueduto das Águas Livres e do Convento de Mafra, para a história ficaram também os seus gastos com amantes. Um dia, mandou fazer uma banheira em Inglaterra para oferecer a uma das suas amantes. A banheira pesava 100kg, era dourada, ricamente decorada e custou 3500 guinéus (o que hoje seria equivalente a 4200 euros).
Para a sua amante mais conhecida, a madre Paula, mandou transformar uma modesta cela conventual em aposentos dignos de uma rainha, bem como o Palácio Pimenta, onde hoje se encontra o Museu da Cidade de Lisboa. A riqueza desta amante real impressionou o viajante suíço César de Saussure, que referiu a ligação de Paula com o rei e relatou o ambiente de luxo em que esta vivia.
8. A amante que lançou um feitiço ao rei
D. Pedro II ficou conhecido pela sua vida amorosa ativa, tendo-se envolvido com aristocratas, meretrizes, mulheres negras, e até uma criada do paço. Casou 2 vezes e teve 8 filhos legítimos, 3 bastardos e um número desconhecido de amantes. Esta vida agitada começou cedo, já que aos 15 anos se conhecia já a existência de uma amante, Francisca Botelho, cortesã que vivia perto do Terreiro do Paço. Determinada a ter privilégios na relação com o então infante, Francisca Botelha recorre a uma feiticeira, Francisca de Sá. A trama acabou por se descobrir e Francisca de Sá foi condenada à morte pela Inquisição.
9. A rainha que morreu virgem
Em abril de 1858, D. Pedro V e D. Estefânia casaram-se por procuração, tendo-se conhecido um mês depois e voltado a casar a 18 de maio. O casal parecia apaixonado e em sintonia, mas faltava a rainha engravidar. Um ano depois do casamento, no entanto, a rainha sentiu-se mal e foi internada, e dois dias depois acabaria por falecer. D. Estefânia, com apenas 22 anos, não tinha resistido a uma angina diftérica. Os médicos da casa real fizeram uma autópsia, mas o seu resultado só veio a público 50 anos depois, num artigo do médico Ricardo Jorge, onde se dizia que a rainha tinha morrido virgem.
10. Rei de dia, Dr. Tavares à noite
Ao contrário do seu irmão e antecessor, D. Pedro V, o rei D. Luís I apreciava clubes noturnos, mulheres, tabaco e boa comida. Após subir ao trono, manteve uma vida dupla: de dia, era o Rei de Portugal, casado com D. Maria Pia de Sabóia e pai de Carlos e Afonso; à noite, era o Dr. Tavares, pseudónimo que usava para não ser reconhecido nas suas saídas noturnas com o seu amigo, o Dr. Magalhães Coutinho. A primeira amante conhecida do rei foi Rosa Damasceno, atriz.
A rainha sabia das traições, mas não fazia escândalo, preferindo vingar-se de outras formas. Assim, sabendo que o marido apreciava pontualidade, fazia questão de chegar sempre atrasada; queixava-se do fumo e da falta de cuidado na dieta do palácio; e adorava gastar em excesso, tendo uma predileção por roupas e joias caras.