Já ouviu falar do Pátio do Carrasco? Situa-se em Lisboa, em frente ao Largo do Limoeiro, junto à antiga Cadeia. O pátio está hoje bastante degradado, mas foi aqui que terá vivido temporariamente Luís António Alves dos Santos, conhecido como “o Negro”, que foi o último carrasco de Portugal.
A lenda conta que existe um túnel subterrâneo, que ia desde o Pátio do Carrasco à Prisão do Limoeiro, mesmo ao lado, e que seria usado para que o carrasco pudesse mais facilmente ir executar os seus deveres. A lenda conta também que, no local onde estaria essa passagem, ainda hoje se ouvem gritos, que seriam do próprio Luís, atormentado pelas mortes que causou, e que fizeram dele o último carrasco de Portugal, com direito a referência num livro de Camilo Castelo Branco e com um salário anual de 49.200 réis.
Pouco se sabe sobre a sua vida, que se diz ter sido cheia de equívocos e atribulada, cheia de ódios que a História tarda em explicar. No entanto, algumas coisas se sabem sobre esta personagem. Para começar, sabe-se que nasceu em 1806, em Capeludos de Aguiar, concelho de Vila Pouca de Aguiar, numa família respeitada na aldeia.
Diz-se que, aos dez anos, inaugurou o rol das suas peripécias ao fugir para Lisboa, onde vendeu laranjas para sobreviver. Regressou a casa ao fim de alguns meses, para grande alegria dos pais, que deviam estar consternados com a sua fuga. Aos 16 anos, em 1822, volta para Lisboa e alista-se na vida militar, onde se tornou companheiro de recrutas pouco recomendados.
Um dia, participou de um assalto a uma casa de gente rica, no Campo Grande, de onde resultou um assassinato. Juntamente com alguns colegas da quadrilha, tornou-se fora-de-lei e refugiou-se em Trás-os-Montes. Acabou por ser preso em Vila Pouca de Aguiar, onde respondeu por 18 crimes que lhe foram atribuídos, mas que ele sempre contestou, dizendo que apenas tinha matado duas vezes “por legítima defesa”.
A sua vida foi conturbada, tendo sido sempre perseguido por absolutistas. Para iludir as autoridades, permaneceu na marginalidade e misturou-se em gangs”, até ao dia em que a Polícia o capturou e o Negro foi levado para Chaves. Ao fim de sete meses, foi julgado, e provou-se que estava livre das culpas indicadas no processo. Acabou por ficar preso mais dezassete meses por se ter tornado refratário, mas acabou por conseguir fugir da prisão ao fim desse tempo, tomando a resolução de ir para o Brasil.
Luís foi traído por um colega de cárcere da cadeia flaviense e voltou a dar entrada na cadeia. Em novo julgamento, e vendo a falsidade das testemunhas e a parcialidade do magistrado que o julgava, perdeu o sangue-frio que até ali tinha demonstrado e atirou o banco onde estava sentado à cabeça do juiz. Acabou por ser sentenciado à morte e foi levado para a cadeia do Limoeiro.
De forma inesperada, conseguiu evitar a forca, já que, em junho de 1845, chegou-lhe a proposta de passar a ser carrasco real (conhecido na altura como Executor de Alta Justiça), em troca da sua vida. A função era maldita e mal vista por todos, mas a mulher de Luís Alves convenceu-o a aceitar. Assim, a sua pena de morte é comutada e, em troca, terá de executar a função e carrasco até ao fim dos seus dias.
Nessa altura, já diversas vozes se levantavam contra a pena de morte. Em 1867, a pena de morte por crimes comuns foi abolida, tornando-se as execuções cada vez mais raras. Abolido foi também o salário anual do carrasco. Ironicamente, extinguiu-se o salário, mas não o ofício de carrasco, porque Luís estava legalmente obrigado a exercer a função até à morte. Dessa forma, passou a ter dificuldades de sobrevivência. Tornou-se artífice e instalou-se no Pátio do Carrasco.
Apesar do ofício que exerceu no final da sua vida, foi considerado um militar valente, estando em várias ações ao serviço do exército português, com destaque para as refregas da Asseiceira e de Almoster. Fez parte da Legião Estrangeira e foram-lhe atribuídas 3 condecorações, tudo isto antes de se tornar refratário. Morreu só, esquecido, triste e pobre, doente de epilepsia e asma, a 18 de agosto de 1873.
Luís Alves ficou conhecido como “o Negro” pela pose austera com que caminhava em direção aos sentenciados, estando todo vestido de preto e coberto com um capuz que lhe tapava a cabeça na totalidade, sendo que apenas dois orifícios permitiam que ele visse o que o rodeava e o pescoço do condenado. Mas ao que parece, Luís Alves nunca terá matado ninguém.
Segundo uma referência de Camilo Castelo Branco, em “Noites de Insónia”, em todo o tempo em que vigorou a pena de morte durante o seu serviço, apenas teve de promover uma execução em Tavira, em 1845. Segundo outras fontes, o carrasco ofereceu dinheiro ao ajudante no ofício para que este ocupasse o seu lugar e se encarregasse da execução, algo de que ninguém daria conta, dada a indumentária que o carrasco devia usar nestes eventos.
Nem só em Lisboa Luís ficou presente na toponímia. Mais tarde, repudiado por família e amigos, refugiou-se em Vila Pouca de Aguiar, onde alugou um quarto ao lado do caminho real que descia para Cidadelha, e onde exerceu a função de sapateiro. O local onde vivia era o quarto do Negro, que com o tempo ganhou espaço e moradores, tornando-se num bairro que foi crescendo à medida que a memória do carrasco se foi esbatendo.